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Praticar é Preciso

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Praticar é preciso.. Uma jornada de auto conhecimento.
Talvez ninguém saiba muito bem como começou essa jornada. Um comentário entusiasmado de um amigo, uma fotografia bonita de um asana, um conselho de um médico, uma dor insistente. Mas são tantas as informações que nos chegam cada dia, porque demos atenção logo a essas?  Que força foi essa que nos chamou?  A verdade é que esses foram apenas pretextos para iniciarmos a maior viagem que alguma vez poderíamos ter imaginado e que já esperava por nós: a única que se faz de fora para dentro, que não requer mais do que força de vontade e o compromisso de um sadhana. Essa prática que começou com algumas horas de asanas e acabou se estendendo pelo resto do dia, abrangendo todas as áreas da nossa vida. Vamos descobrindo ilhas paradisíacas dentro de nós mesmos, abrindo canais que nos levam ao outro lado do nosso mundo interior, cruzando fronteiras, que depois de passadas, vemos que eram imaginárias.

Por isso, como dizia Fernando Pessoa, “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Se esperamos o tempo certo e o mar calmo para sair em nossa viagem, pode ser que fiquemos mais tempo em terra, do que nos aventurando pelos confins do nosso ser. Não podemos querer praticar somente quando temos disposição para isso, nossa mente está clara ou nosso corpo está leve e solto. Os maiores avanços a nível de caminho evolutivo se dão muitas vezes quando encontramos desafios. Nesses momentos de maior vulnerabilidade, precisamos trazer mais consciência e amor, seja para uma lesão, seja para uma emoção negativa que toma conta de nós ou seja pelo que for. Talvez essas condições inóspitas sejam lições necessárias. O mar é o que é e seria muita prepotência querermos ter controle sobre suas condições, nos frustrando quando se avizinha tempo ruim ou quando o vento sopra em direção contrária à que seria ideal para nós. No meio das dificuldades, não nos resta mais do que aprendermos a ser humildes, praticando a aceitação do que é como é e não como nossa visão limitada gostaria que fosse.  Por isso o método é preciso, no sentido em que é essa precisão que nos dá a estrutura para irmos mais longe, mesmo quando o vento não sopra a favor. A sabedoria inerente da sequência de asanas de cada série, a disciplina de praticar todos os dias, o foco constante em algo tão simples e básico como a respiração: essas são as bases que nos permitem ir passo a passo, dia por dia, nos observando, transformando e aceitando.

45Por isso, são tão importantes Bandhas, Dhristi e a respiração Ujjayi, nossos instrumentos de navegação, nossas bussolas e quadrantes, que devemos ter sempre á mão e que nos permitem ir pelo desconhecido com segurança.  Nosso corpo é nossa embarcação, que precisa estar limpa e forte para navegarmos. A mente nosso leme, que nos encaminha nas diferentes direções. Livros como os Yoga Sutras são mapas, dando pistas por onde devemos ir. E mestres como Guruji, nossas estrelas polares, brilhando sempre no céu e nos guiando, mesmo quando perdemos o norte na noite escura da alma.

Mas há algo que ás vezes parecemos nos esquecer e que é uma das coisas mais importantes. Para termos um rumo, temos que saber para onde ir. Podemos contemplar o oceano, aproveitar cada ilha, mas precisamos saber qual nosso destino.  Se dirigimos o barco para leste como podemos querer ir para norte? Se dirigimos nossas ações pensando no conforto dos padrões habituais ou em satisfazer o ego, como podemos chegar um dia a evoluir enquanto seres humanos? Se praticamos pensando no asana perfeito, forçando nosso corpo a chegar lá, seja como for, como podemos criar abertura e relaxamento? Se na nossa prática, mente e Prana são direcionados para os problemas do dia-a-dia, como podemos chegar a ter paz? É totalmente contraditório e seria absurdo, se não fosse tão comum.  Devemos ter clara nossa intenção, não esquecer dela, nem nas piores tormentas, nem na ilha mais paradisíaca. Porque para onde nos direcionamos, é para lá que vamos, mesmo que seja com a velocidade mais lenta do que desejaríamos. Sankalpa é o nome em sânscrito para essa intenção e precisamos defini-lo, tê-lo em mente, para podermos saber qual é nossa prioridade. Porque em qualquer ação que fazemos, até mesmo quando escolhemos não agir, existe uma intenção. Talvez pareça fútil, como ficar em forma, mas pode ter um sentido de base mais profundo quando nos questionamos sobre ela. Ficar em forma pode significar ter mais disposição, ser capaz de fazer mais coisas, se valorizar mais, estar em paz consigo mesmo. O próprio questionamento de nosso sankalpa já é uma prática em si mesmo, porque nos permite nos conhecermos melhor. Então, podemos pegar nesse sentido mais profundo e usá-lo como objetivo, deixando-o claro, para não nos perdermos pelo caminho.

Mas mesmo o navegador mais experiente, com o melhor dos barcos, os melhores instrumentos e destino certo, precisa lidar com os ventos que o desviam do caminho. Que ventos são esses? Poderíamos dizer que os klesas, as cinco aflições ou causas de sofrimento apontadas por Patanjali nos Yoga Sutras: Avidya (ignorância), Ragas (apego ao prazer), Dvesas (aversão ao sofrimento) e Abhinivesa (medo da morte).

09É dito que Avidya é a raiz de todo o sofrimento. Mas essa não é uma ignorância por falta de conhecimento intelectual ou racional. O ser mais simples pode ter Vidya, o conhecimento verdadeiro da sua essência mais profunda, assim como o acadêmico com mais graduações acumuladas pode viver na ignorância, Avidya, de quem é realmente. Porque esse é um conhecimento que não vem só do estudo, trabalho e lógica, mas também da capacidade de se entregar, sentir e amar. Ao longo da vida, tentamos construir nossa identidade e nesse processo vamos edificando uma estrutura ilusória de identidade que nos separa do Todo. Esse é o segundo klesa, Asmita, ou individualidade, e não admira que nos leve na direção contrária do nosso ser mais profundo. Da confusão de Avidya, surge essa tentativa de definição, que inevitavelmente causa uma separação do resto, dando espaço a emoções e ações egoísticas. Se eu vejo o outro como um outro eu, porque vou querer passar por cima da vontade dele, mentir, roubar, manipular? Porque as aspirações e bem estar do outro são menos importantes que as minhas? Avidya, essa ignorância da própria natureza, é desoladora. Responder á pergunta “quem sou Eu?” parece uma tarefa interminável e infinitamente trabalhosa, talvez até impossível. Não por acaso, essa parece ser a busca de base de artistas, filósofos, religiosos. E se a resposta for “eu não sou nada”? É mais fácil se apegar a algo, seja o que for, criar uma ideia de superioridade. Mas o que acontece quando estamos em cima e os outros em baixo é que o pico é solitário. Ninguém mais chegou lá, porque é um alto que nós mesmos criamos, a partir de uma visão que é só nossa. Como pode então esse vento da individualidade e separação nos levar ao centro de nós mesmos, onde reside a Unidade?

_mg_7487De Avidya surgem ainda os dois ventos de Ragas e Dvesas, apegos e aversões. Pois é, nós até sabemos que praticar é preciso. Mas o que fazer com esse apego a zona de conforto, aos prazeres? O que fazer com a aversão à disciplina, ao desconforto causado por certas posturas, a enfrentarmos nossos medos e bloqueios no tapetinho? Não são esses os ventos que nos levam facilmente para outro lugar qualquer que não seja o sadhana diário? Tal como a individualidade, nossos gostos e aversões fazem parte de nós e nada têm de errado, se não nos desviarem do caminho. O problema é quando se tornam tão fortes que perdemos o controle, nos embolamos nas suas ondas tumultuadas e agimos automaticamente, ás vezes até desconsiderando nossos valores. Damos por nós indo exatamente na direção contrária daquilo que tínhamos estipulado como nosso destino, quando tudo estava calmo e tínhamos alguma paz para decidir. Aí, Asmita, Ragas e Dvesas causam sofrimento.

Dando um exemplo simples, nos propomos a praticar todos os dias. Vem o vento do apego à preguiça, da aversão ao esforço. Logo, nossa mente nos convence que bem melhor que ir praticar e ter que lidar com todos aqueles bloqueios e padrões, é ficar em casa, descansando. E cedemos.  Ou estamos numa postura difícil, sabemos que a respiração deve ser nossa prioridade. Mas surge a tensão, o apego ao perfeccionismo, o ego reclamando a supremacia de Asmita. E entramos em modo automático. Contraímos, tensionamos, nos fechamos e bloqueamos o fluxo do Prana. Como pode mudar assim de repente algo que tínhamos tão claro? Para lidarmos com essas duas faces da mesma moeda, precisamos que nosso sadhana seja composto por duas forças, também complementares: Abhyasa e Vairagya. Prática e desapego. É aprender a avançar mas também a realmente deixar o que fica para trás. A agir mas também a permitir. Transformar mas também aceitar.É trabalhar com afinco, incorporando novas formas, novos hábitos á nossa vida, mas também abandonar aquilo que não nos serve mais. Se simplesmente vamos adicionando novidades, logo teremos uma bagagem maior do que podemos carregar. É se abrir ao novo, mas limpando primeiro o espaço para o receber.  É saber que estamos fazendo tudo o que poderíamos para chegar onde queremos, sendo coerentes com nosso sankalpa, mas desapegando do resultado, confiando que as leis do Universo são mais certas do que a nossa própria razão. E relaxar na noção de que, em ultima instância, realmente não temos controle sobre nada. Por que agir então, se não esperamos o resultado? Porque essa ação, mais que tudo, é guiada pelo Dharma e não pelo sucesso individual. Talvez seja nosso Dharma enquanto seres humanos ir de encontro à liberação. Se não fosse nosso ego demandando tanta atenção, se não fosse a mente criando tantas distrações, se pudéssemos apenas relaxar… Não iríamos naturalmente de encontro ao Todo , tal como o rio corre para o mar?

02O que nos leva ao quinto klesa, Abhinivesa, o medo da morte. O que é a morte? O fim da nossa individualidade e provavelmente, a representação máxima do desconhecido e do incontrolável. É o pulo final no abismo, é quanto mais nos agarramos à rocha que um dia inevitavelmente desabará, mais sofrimento criamos. Talvez a relutância em nos entregarmos ao Savasana seja um resquício desse medo, porque nessa aparente não-ação, a individualidade se dissolve. Quantas coisas, quantos avanços o medo bloqueia? O que temos tanto medo de perder? Porque nos precisamos agarrar desesperadamente ao conhecido, ao material? Por isso também o poeta diz que viver não é preciso. Porque no medo de perder a individualidade, de nos desfazermos de gostos e aversões que achávamos que nos definiam, de sairmos da falsa segurança de que somos esse corpo e essa mente, perdemos nosso rumo e às vezes paramos até nossa viagem, estagnando no pântano do medo. Quando conseguimos olhar de frente para esse medo, podemos por fim lidar com ele. Talvez continue lá, mas não nos controlará mais.

Então, não se trata de traçar viagens loucas, de desbravar para conquistar terreno ou se frustrar por não o conseguir. Definimos nosso destino, preparamos nossa embarcação, lemos os mapas, nos apropriamos com os melhores instrumentos, obervamos os ventos que nos podem desviar. Assim preparados, soltamos por fim as âncoras pesadas que nos prendem ao passado e empreendemos com amor e consciência aquela que é a viagem mais importante de nossas vidas. Navegar é preciso.

Texto de Olga Rodrigues

Fotos de Kike Krueger no Intensivo com Kathy Cooper, Setembro, 2014

Cúrcuma

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Cúrcuma
Usada há milhares de anos na Ásia, seja como condimento seja como erva medicinal, a Cúrcuma é mais uma SuperFood que pode melhorar muito nossa saúde e bem-estar. Um rizoma da família do gengibre, tem um amarelo forte e sabor entre o picante, amargo e adstringente.
É rica em magnésio, ferro e vitamina B6, mas o que a torna tão especial é a curcumina, um anti-inflamatório tão potente quanto alguns medicamentos alopáticos.  A inflamação é uma resposta natural do corpo e necessária, mas gera vários desconfortos e quando se torna crônica pode originar doenças.  A curcumina atua seletivamente no grupo das Prostaglandinas, um grupo de substâncias químicas que nosso corpo produz quando ocorre uma inflamação. Atua especialmente sobre a Prostaglandina 2, responsável pela dor. Por isso, esta SuperFood é também um poderoso analgésico.  É tão eficaz que pode ser usada na artrite, artrite reumatoide e osteoartrite, assim como em lesões e traumas. Também é útil em casos de rigidez muscular, aumentando a flexibilidade e protegendo tendões e ligamentos. Isso, em conjunto com a diminuição da inflamação, a torna um ótimo complemento para quem tem uma prática de asanas frequente. 
A Cúrcuma é também um forte antioxidante, ou seja, neutraliza os efeitos dos radicais livres no organismo. Estes são átomos ou parcelas moleculares que, com um número deficiente de elétrons, se tornam instáveis, indo pelo corpo pegando ou doando elétrons e danificando as células. É o mesmo processo oxidativo que faz apodrecer as frutas e enferrujar o metal. Podem vir tanto de processos internos como a inflamação como por alimentação incorreta, consumo de álcool e poluição. Ou seja, ninguém está realmente livre de seus efeitos e seus níveis estão associados com envelhecimento precoce e doenças como câncer e cardiovasculares. Por isso a importância de consumir antioxidantes. 
Além disso, esta especiaria vem surpreendendo a ciência com sua eficácia, tanto na prevenção, quanto no tratamento do câncer. Não por acaso, na Índia, onde é largamente consumido, a taxa de câncer é muito menor que nos países ocidentais. Não só neutraliza substâncias e condições que podem causar câncer, como ajuda as células a manter sua integridade depois de atacadas por esses carcinógenos. Nos tumores instalados, inibe a replicação das células e a formação de novos vasos sanguíneos no local, assim como possíveis metástases. 
Mas a lista das suas propriedades continua:
  • Protege e auxilia na função do fígado, o órgão que desintoxica o sangue, destruindo hemácias e removendo toxinas.
  • Estimula a digestão e o metabolismo, tem um efeito carminativo (reduz gases) e melhora a flora intestinal. Isso é especialmente importante se pensarmos na visão ayurvêdica, em que uma boa digestão é a base essencial de um organismo saudável.
  • Purifica e movimenta o sangue, removendo sangue estagnado.
  • Diminui cólicas menstruais, regula a menstruação e auxilia no tratamento de miomas.
  • Ajuda na produção de leite materno.
  • Protege contra doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.
  • Melhora função do endotélio, a camada interna de células dos vasos sanguíneos e linfáticos.
  • Tem ação antibacteriana, estimulante, diurética, antisséptica e anti-helmíntica.
  • Diminui o risco de arteriosclerose, prevenindo a formação de placas e reduzindo o colesterol.
  • Reduz Kapha, diminuindo assim a produção de muco e auxiliando no tratamento de doenças do trato respiratório como gripes, sinusites e bronquites. 
  • Externamente, nutre e purifica a pele, tratando doenças como a acne. 
  • Para aliviar dores pode ser feita uma pasta com duas partes de cúrcuma para uma de sal, misturando com água até formar uma pasta e aplicando por 20 minutos. Mas, atenção, essa aplicação mancha temporariamente a pele e por tanto, deve ser usada em regiões onde isso não tenha problema.
A cúrcuma pode ser adicionada em pó a qualquer comida, dando uma cor vibrante a preparados com vegetais, arroz ou ovos. No entanto, é mais potente fresca, podendo ser feito uma infusão ou adicionada crua, a sucos. Pesquisadores da St. John Medical College de Bangalore descobriram que a absorção da curcumina é potencializada em 2000% se adicionada a piperina, contida na pimenta-do-reino preta. Curiosamente, tal como a cúrcuma, esta é uma especiaria que quase sempre faz parte de currys e masalas na culinária indiana. 
Uma ótima receita para dias frios, que nos ajuda a prevenir gripes e resfriados, assim como qualquer tipo de inflamação é o Leite de Cúrcuma:

  • 1 xícara de leite de vaca orgânico, de amêndoas, aveia ou qualquer outro á escolha
  • 1 colher de chá de cúrcuma
  • 1 pitada de cardamomo
  • 1 pitada de gengibre em pó
  • 1 pitada de canela
  • 1 pitada de pimenta-do-reino preta
  • 1 colher de chá de mel


Esquentar o leite e adicionar os ingredientes, misturando para não ficar com pedaços. Tanto a cúrcuma como o gengibre podem ser usados na forma de raiz cortada em fatias bem finas. Nesse caso, coar o leite antes de servir.

Considerada auspiciosa, a Cúrcuma tem ainda o poder de purificar os chakras e o corpo sutil. Isso, em conjunto com suas ações no corpo físico, faz desta raiz uma SuperFood especialmente importante para conseguirmos alcançar o ideal de sthiram sukham (o asana confortável e estável).
Texto de Olga Rodrigues 
Imagens Taeko

A Mente e o Yoga

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Muitos de nós chegamos à nossa primeira aula de Yoga pensando na imagem típica do Yogi sentado tranquilamente meditando, com um leve e plácido sorriso no rosto. A representação perfeita da definição de Yoga contida nos Yoga Sutras: citta vrtti nirodhah, uma mente sem flutuações.  Mas logo nos deparamos com outra realidade: aquele monte de gente se torcendo em posições estranhas do nosso lado, nosso corpo reclamando de desconforto, o professor que diz para respirarmos e a dificuldade em fazê-lo. Quando finalmente sentamos, descobrimos que esvaziar a mente parece impossível. Os problemas do trabalho, as coisas para fazer em casa, as contas, os filhos, o que fazer no almoço.  Os pensamentos voando, num fluxo tumultuado, sem controle. Então, a tal da mente sem flutuações parece apenas uma piada. Á medida que o Yoga toma conta de nossa vida, que nos dedicamos mais e mais, que a disciplina se torna natural e nosso corpo se vai desintoxicando, também nossa mente parece ficar mais leve e clara. Damos por nós reagindo melhor às situações do cotidiano, lidando mais facilmente com nossas emoções. Mas será que realmente o Yoga de cada dia nos ajuda a chegar a citta vrtti nirodhah? Como nossa prática influencia a mente?
Antes de qualquer coisa, precisamos entender esse conceito de mente, que pode ser dividido em três componentes: Manas, Ahamkara e Buddhi. Se pensarmos nos três como camadas, Manas seria a mais orgânica e mais próxima do corpo físico. Recebe as impressões trazidas pelos órgãos dos sentidos, analisando, classificando e identificando objetos. É Manas que coloca várias opções e dúvidas entre elas, sustentando o diálogo interno que parece não ter fim dentro das nossas cabeças. Isso em si não seria um problema, se conseguíssemos não nos identificar com esse fluxo de pensamentos. Aí entra Ahamkara, o Ego, a individualidade. É ele que inicia a identificação com os pensamentos sustentados por Manas, se apegando aquilo que causa prazer, classificando como o que gosto (raga) e rejeitando aquilo que causa sofrimento ou desconforto, classificando como aversão (dvesa). Isso é crucial para construirmos nossa personalidade única, que é afinal o conjunto de todos esses gostos e aversões, interesses e particularidades. A diversidade é importante e enriquecedora, afinal, é muitas vezes nos encontros com pessoas diferentes de nós mesmos que evoluímos e crescemos. Se fossemos desprovidos de Ego e individualidade, esse enriquecimento mútuo não seria possível. 
Para além disso, o grande paradoxo de Ahamkara é que, apesar de nos dar a falsa ilusão de que somos seres separados do resto, é o que nos faz ir em busca do conhecimento e da Unidade. Se o Ego não está presente ou é fraco demais, que razão temos para nos alimentar, para tomar água, para nos cuidarmos? É ele que diz “eu quero me sentir melhor”, “quero saber mais sobre esse tal de Yoga”, “isso vai me fazer bem” ou “isso vai me fazer mal”. O problema é que ele e Manas se apegam ao que já está estabelecido como prazeroso e confortável, rejeitando o desconhecido, segundo os samskaras adquiridos durante todas nossas vidas. Estes são impressões guardadas no nosso corpo mental, que nos condicionam a tomar sempre os mesmos caminhos, a agir automaticamente por padrões repetidos continuamente. Vejamos um exemplo simples: imaginemos que durante nossa infância criamos o samskara de aversão á couve e construímos a identificação de “eu sou uma pessoa que não gosta de couve”, não comendo nunca esse vegetal. Mas, em adultos, na nossa busca por uma alimentação mais natural, nos propomos a provar um prato com couve e descobrimos que afinal gostamos. Nesse momento, quebramos o padrão de rejeição da couve. Se apenas seguíssemos nosso condicionamento, ou seja, se apenas escutássemos Manas e Ahamkara, isso nunca aconteceria. 
O mesmo pode acontecer com nossa prática. O samskara da cama quente pode pesar mais ao inicio na hora de levantar. Manas se revolta imediatamente com a ideia de ter que sair da preguiça mental de não ter que focar em nada, Ahamkara traz as identificações com o prazer da cama, com o hábito adquirido durante anos de se levantar tarde.  Mas depois de algumas vezes fazendo o esforço de levantar, Manas descobre que afinal praticar não só traz tranquilidade como nos faz sentir melhor durante o resto do dia. Logo Ahamkara se identifica com isso e o samskara do beneficio da prática começa a pesar mais. Mas para conseguirmos chegar até aí, precisamos que Buddhi assuma o comando. Esta é a parte mais superior da mente e mais em contato com o divino, é o intelecto, a capacidade de discernimento, que, quando forte, nos leva a escolher pelo que é melhor para nós e para os outros. Se Manas é quem duvida entre a opção da cama quente ou ir praticar e Ahamkara se identifica com a preguiça ou a disciplina, Buddhi é quem opta por sair.
 Ou seja, em si, realmente Manas e Ahamkara, ragas e dvesas, assim como samskaras, não têm nada de errado e são necessários. Já que não conseguimos eliminar de uma vez por todas as identificações, podemos começar por nos identificarmos com coisas que eventualmente nos façam bem, para talvez um dia conseguirmos desapegar delas. Afinal, até para chegar a Samadhi é preciso que um dia esse desejo nasça em Manas e seja tornado nosso por Ahamkara. No fundo, estas duas partes da mente são como crianças que querem sempre ser distraídas e agradadas. Por isso, se torna tão importante uma prática diária, em que consigamos observar seus padrões e condicionamentos. Como podemos educar uma criança para quem olhamos realmente apenas uma vez por semana ou uma vez por mês? 
Quando acontece de sabermos que algo não é bom para nós (seja uma comida, um hábito ou mesmo uma relação) e mesmo assim Ahamkara e Manas, as duas crianças teimosas insistem e conseguem ir pelo mesmo caminho de sempre, “contra nossa vontade”, é sinal que Buddhi está fraco. Se pensarmos na mente como um lago, Buddhi é a superfície que reflete o céu, ou seja, o Absoluto. Por isso, Buddhi traz consigo a sabedoria do Universo e suas leis, ajudando-nos a agir de acordo com elas, ou seja, pelo Dharma. Mas isso nem sempre acontece, porque o lago está tão mexido que não pode refletir nada, cheio de flutuações criadas por Manas e Ahamkara. Conhecendo a mente e seus padrões, podemos começar a diminuir esses altos e baixos. 
Ao mesmo tempo, ao realizarmos práticas como Yamas, Niyamas, Asanas e Pranayamas, muitas vezes sem sabermos, estamos ainda limpando a água desse lago, tornando-a menos densa e turva, ao aumentar Sattva e diminuir Rajas e Tamas. Estes três forças da natureza, chamadas Gunas,  influenciam diretamente o estado da nossa mente.  
Tamas é a mais densa das três, traz consigo a inércia, a escuridão e a ignorância. Quando ela prevalece sobre a mente, fica obscura, embotada e pesada.  Como consequência, as ações são feitas na maior ignorância, sem entendimento da lei de causa-efeito, sem considerar o que é mais adequado ou correto, tendo muitas vezes um caráter auto destrutivo. Nesse estado, a mente está tão densa que precisa de estímulos muito fortes, como música agressiva e  filmes violentos, com ênfase em temas como morte e destruição. A pessoa fica apática, estagnada e apegada emocionalmente, não conseguindo cuidar de si mesma ou mudar o que está errado, ainda que se queixe muito. Todas as drogas, mesmo as estimulantes, aumentam Tamas, assim como o consumo de certos alimentos como: carne, peixe, comida processada ou comer em excesso.
Rajas é a energia da mudança e do movimento, que dá o impulso para sair de Tamas e um pouco mais leve que esta. Ainda assim, as ações são motivadas somente por razões egoísticas e por isso mesmo, quando esta energia prevalece, as pessoas têm muita determinação, mas são impacientes, agitadas e extremamente competitivas. Os alimentos considerados rajásicos são alho, cebola, pimenta, café, chá, comida muito salgada ou muito quente. No entanto, isso não quer dizer que tenhamos que evitar completamente esses alimentos, já que são eficientes para balançar Tamas.
Sattva é a energia harmonizante, que traz luz, energia e amor. Quando Sattva prevalece, tendemos naturalmente ao equilíbrio e a paz, expressando qualidades como generosidade, honestidade e gentileza. O sabor doce, frutas, vegetais, grãos, sementes, lácteos e mel, quando frescos e preparados com amor e consciência, aumentam essa energia em nós.  Todas as práticas, como Pranayama, Asana e mantras, quando feitos com a atitude adequada, ou seja, fundados na base sólida dos Yamas e Niyamas, aumentam Sattva. Assim, não é de estranhar que mesmo sem nos apercebermos ou termos plena consciência disso, ao praticarmos com consciência, honestidade e respeito por nós mesmos e demais, aumentamos essa força dentro de nós e nossa mente fica mais clara. 
Felizmente, tal como podemos cair no ciclo vicioso de Rajas e Tamas, também podemos ascender ao ciclo luminoso de Sattva. Assim, vamos fazendo cada dia nossa prática, diluindo frustrações e expectativas. E Sattva começa a preencher nossas mentes, que passam a brilhar em todo seu potencial, não só nos ajudando a lidar com nós mesmos, mas também com as várias questões da nossa vida. Quanto mais Sattva, mais Buddhi se manifesta e mais Manas e Ahamkara cumprem sua função, sem nos controlar. Isso descomplica nossa vida, torna nossas decisões mais fáceis de tomar e nossas ações melhores para nós e para os outros.  Afinal, toda a ideia de aumentarmos Sattva e controlarmos Manas e Ahamkara não serve apenas o propósito de melhorarmos nossa vida exclusivamente, mas também a forma como nos relacionamos com o mundo.
Mas talvez um dos efeitos mais fortes do Yoga no nosso bem-estar mental venha de nos ensinar a viver plenamente o momento presente.  Asanas, Pranayamas e meditações como Japa, nos obrigam a focar naquilo que estamos fazendo ou perdemos o fio da meada, ao mesmo tempo em que nos dão oportunidade de aprender a receber os pensamentos sem que nos apeguemos. Por isso, no Ashtanga vamos ganhando posturas conforme nos estabelecemos naquelas que já fazemos, o que não significa alcançar a sua perfeição, mas sim conseguir respirar naturalmente, deixando que a energia flua. Estas vão se tornando cada vez mais difíceis, não para nos podermos exibir perante os outros, mas para trazer nossa consciência para o nosso corpo, para a alteração da respiração e nossas reações perante a dificuldade. Isso automaticamente nos puxa para o momento presente. Cada Asana conta assim uma história de superação dos próprios limites e de ganho de conhecimento sobre nosso corpo e mente. Ao sermos, através de todas essas práticas, levados a nos concentrar naquilo que acontece no agora, entendemos até onde vai nosso controle sobre o mesmo. O equilíbrio entre transformar o que está ao nosso alcance transformar e aceitar o que não podemos mudar, nos dá a capacidade de entrega e devoção pelo que É. Talvez essa seja a maior lição que podemos aprender com o Yoga.
Nossa prática realmente pode nos ajudar a ter uma mente mais calma, resistente e equilibrada, talvez um dia chegando a citta vrtii nirodhah. É como se cada dia limpássemos aquele lago, retirando os samskaras que causam flutuações, redemoinhos e correntes, ao mesmo tempo removendo todas as impurezas, para que água cristalina possa refletir aquilo que sempre esteve lá, mas não conseguíamos ver. Assim, relaxando na consciência de que somos também parte desse Absoluto, abandonamos por fim o sentimento de separação e isolamento que gera medos, ansiedades e depressões.
Texto de Olga Rodrigues
Fotos de Taeko

Entrevista Kathy Cooper

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Entrevista com Kathy Cooper
Julho, 2014

1. Como você começou a praticar Yoga?

Eu ganhei meu primeiro livro de Yoga da minha mãe e fiquei interessada em começar a praticar. Me mudei para Maui em 1975 e comprei o livro de Richard Hittleman “28 Days Yoga Plan” (“Plano de Yoga de 28 dias”).

Maui é uma ilha pequena, e na época, havia um boato que um casal tinha aparecido com um tipo de Yoga novo. Foi então que conheci David Williams num mercadinho e pedi para ser sua aluna. Ele e Nancy só admitiam alguns alunos, já que eles não tinham um Shala, e por isso, me informaram que poderia começar apenas em novembro de 1976.

Nancy me dava aulas particulares num parque de Lahaina e depois de alguns meses, Forrest construiu um Shala de plástico, com chão de terra batida. Não havia tapetes de Yoga nessa altura e esse foi o começo da minha jornada pelo Yoga.

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2. O que mudou no seu caminho pelo Yoga desde então? Que lição você acredita ter sido a mais importante para você?

Em 3-4 anos em Maui, aprendi todas as séries do Ashtanga, na época chamadas Advanced A e B. A minha vida rodava em torno do Yoga. Hoje, eu pratico seis vezes por semana (quase sempre) e a pratica ainda tem muito a me ensinar diariamente. A maior lição é se entregar ao momento presente. Esse é o lugar em que a transformação, a cura, o despertar e as grandes lições acontecem.

3. Quando você conheceu Guruji? Pode falar um pouco da sua experiência com ele?

Eu o conheci em 1980, em Maui. Ele nos ensinou Advanced A com Full Vinyasa, seguido de meia hora em Sirsasana, por dois meses. Éramos um grupo pequeno e passavamos bastante tempo com ele e Ama. Eles eram amigáveis e interessados em explorar a Ilha. David e eu íamos com Guruji e Ama todos os dias para as aulas. Ele era muito caloroso e acessível e Ama nos dava aulas de culinária. Nossa única e grande limitação estava na língua.

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4. Além da prática de Ashtanga, você estudou também com vários professores de outros métodos e filosofias. Ás vezes, quando temos todas essas influências, é fácil nos distrairmos ou confundirmos. Como conseguiu permanecer focada na sua prática de Ashtanga e como essas influências contribuiriam para a sua jornada?

Ótima pergunta! Durante anos pratiquei sozinha. Por isso, além do Guruji, do David e da Nancy, eu não havia praticado com outros professores. Então, nos anos 90, fiz alguns workshops que a Nancy trazia, como Tim Miller e Richard Freeman. E apenas quando me mudei para a Califórnia foi que entrei na prática estilo Mysore, tal como ela estava sendo ensinada na cidade de Mysore naquela época.

Ainda que eu pratique Ashtanga Yoga, o meu despertar e o meu caminho de cura tem sido facilitados por outros professores espirituais que cruzaram o meu caminho. Sou muito grata por todas essas experiências e por ter conseguido reconhecer a “unidade” em todos eles. O Ashtanga Yoga é um caminho verdadeiro e tem me feito ir mais profundo ao longo dos anos através de todas minhas experiências. Sempre integrei tudo no meu tapetinho.

Eu não vejo Yoga como uma religião, mas sim como um caminho para a verdade universal dentro de cada um de nós.
Este é um assunto extenso e poderia ser desenvolvido numa conversa mais longa.

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5. Qual você acredita ser o segredo para praticarmos pelo resto de nossas vidas?

A minha experiência me diz que permanecer na prática, me movimentando e respirando, permitindo que a energia me abra, (sem forçar de alguma forma) é o que me conecta ao “flow”. Se entregar ao momento presente é o caminho e a benção da prática.

6. Há mais alguma coisa que queira acrescentar?

Á medida que tenho caminhado pela minha vida, curando meu corpo e mente, a prática de Ashtanga tem sido o meu leme. Todos os dias eu me sinto grata por ela. A prática me dá o tom de uma atitude aberta e positiva para receber e experienciar o dia de forma fresca. É uma imensa alegria encontrar pessoas que amam este método, que estão trabalhando para encontrar a paz e a verdade interior, que irradia e abençoa nosso mundo.

Kathy Cooper volta ao Brasil pelo quinto ano consecutivo. Programe-se e participe!!
De 09 à 28 de Outubro de 2016 em Floripa

Uma semana de intensivo completo e mais duas semanas de práticas Mysore com conferência no final de semana.
Inscrições abertas.

Saiba + informações, escreva para:
anaclaudiayoga@gmail.com

Maca

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Raiz de Maca

A SuperFood deste mês é uma raiz que tem ganhado popularidade por promover saúde, energia e beleza. Com origem no Peru, é consumida regularmente pela população local há mais de 5000 anos. O seu nome é Maca e pertence ao grupo dos adaptógenos, tal como Ashwaganda e Ginseng. 
O que isso significa?  O nome adaptógenos vem do fato de estas plantas auxiliarem o organismo a se adaptar ás diferentes condições externas. Ao longo do dia, passamos por momentos com graus variáveis de atividade, assim como de estresse físico e emocional, a que o nosso corpo precisa responder para manter a homeostase, o equilíbrio constante e necessário. Ao ajudarem o organismo a restabelecer seus níveis normais, estas plantas são uma fonte de energia, mas não da mesma forma que os estimulantes. 
Quando consumimos cafeína ou mesmo açúcar, por exemplo, o que acontece é que temos um pico energético que logo baixa, fazendo nos sentir mais cansados ainda do que anteriormente. Logo temos que consumir mais para nos mantermos ativos. O que essas plantas têm de especial é que a energia dada por elas se mantém num nível estável e ajustado as nossas necessidades, ou seja, não nos vão manter acordados noite a dentro se precisamos descansar. Isso porque atuam diretamente no eixo glandular Hipotálamo-Hipófise-Suprarrenais. 
Estas últimas, também chamadas de adrenais, são duas glândulas que se encontram acima dos rins e que secretam Adrenalina, Noradrenalina e Cortisol, o chamado hormônio do estresse. Este aumenta naturalmente em situações de emergência, sendo um poderoso anti-inflamatório (é a famosa cortisona), aumentando a pressão arterial e a glicose no sangue ao estimular a quebra de proteínas e gorduras. Essa é uma resposta fisiológica e necessária. Quando acontece pontualmente, os níveis hormonais se restabelecem sem mais consequências. 
Mas tudo o que é demais se torna prejudicial. Quando sofremos um estresse contínuo, os níveis de cortisol permanecem altos, tendo várias repercussões para nossa saúde.  E como com qualquer substância química, o corpo se habitua a ela. A sobre-estimulação das suprarrenais provoca ansiedade, depressão, insônia, aumento de peso, vontade insaciável de comer alimentos salgados, doces ou gordurosos, fraqueza muscular, imunidade baixa, libido fraca, problemas digestivos e doenças cardiovasculares. O que é fácil de imaginar, se pensarmos que o corpo fica em constante estado de alerta, sempre preparado para “fuga ou luta”. Um estilo de vida sedentário, com pouco exercício físico, com alta atividade mental, sentimentos estressantes como o medo e consumo de estimulantes como a cafeína, contribuem para níveis altos de cortisol. Ao reverter ou evitar os sintomas do nível elevado de cortisol, os adaptógenos como a Maca podem se tornar poderosos aliados para o dia a dia, protegendo e restaurando diariamente o equilíbrio do nosso corpo.


Para além disso, a Maca:
  • É nutricionalmente densa, providenciando aminoácidos, vitaminas do complexo B, C e E, minerais como cálcio, magnésio, zinco e fósforo. 
  • Tem também bastante ferro, combatendo a anemia.
  • Regula e auxilia no ciclo menstrual, diminuindo cólicas e TPM. 
  • Diminui os sintomas da menopausa como os picos de calor e a ansiedade.
  • Aumenta fertilidade e libido, tanto em homens como mulheres.
  • Aumenta resistência e estamina. Se for complementada com exercício físico, ajuda a desenvolver massa muscular.
  • Ajuda a estabilizar o humor, atenuando a depressão e ansiedade, dando também mais concentração e foco mental.
  • Estimula a síntese de colágeno, tornando a pele mais firme e suave, assim como o cabelo mais forte.

Com um gosto ligeiramente amargo, como de cereais maltados, mas suave, pode ser adicionada a vitaminas ou sucos diariamente. Como com as outras SuperFoods, a dose deve ser aumentada gradualmente, já que o seu impacto no sistema hormonal pode ser forte. Pode-se iniciar com uma colher de chá e ir até uma colher de sopa por dia. Por aumentar os níveis de energia é preferível que seja consumida de manhã ou no inicio da tarde, embora como foi dito antes, não tenha o efeito de um estimulante. Gestantes e mulheres amamentando devem consultar com seu médico sobre se é adequado consumir Maca nesse período. 
Com todas essas propriedades e seu efeito geral no corpo, a Maca se torna um ótimo complemento para quem tem uma prática de Asanas diária e consistente. É curioso que, em diferentes escalas, ambas tenham em comum nos darem mais energia e disposição para nos adaptarmos as inevitáveis mudanças que ocorrem no mundo ao redor, em vez de precisarmos que este se adeque as nossas necessidades.   
Texto de Olga Rodrigues

Fotos de Taeko

Obstáculos

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Obstáculos 

Quando iniciamos o caminho do Yoga e vemos a diferença que faz no nosso dia-a-dia, nos enchemos de entusiasmo, com vontade de descobrir mais e mais. Nesse primeiro momento, estamos dispostos a fazer sacrifícios e alterações na nossa rotina, tudo pela nova paixão. Mas, com o tempo, surgem alguns obstáculos que nos fazem estancar, retroceder e até abandonar a prática. Quem nunca se viu num momento difícil, em que seria mais fácil esquecer o Yoga?
Os desafios são muitos e surgem em diferentes formas e de diversas fontes. Ás vezes, são questões sobre as quais temos pouco controle, como uma doença. Outras, condições externas que põem a prova nossa determinação, como a chegada do frio. E ás vezes, são artimanhas da mente teimosa que persiste em padrões de auto-sabotagem. Seja como for, o importante é entender que tudo isso faz parte do caminho a que nos propusemos quando nos dedicamos ao Yoga. A prática é apenas um espelho da nossa vida e não será sempre perfeita ou prazerosa. É nos momentos que surgem os obstáculos que temos as maiores oportunidades de transformação e exatamente quando não devemos parar. Se aprendermos a lidar com eles, levaremos essa lição para a vida.
Esses obstáculos são tão antigos e universais que Patanjali já os referia nos Yoga Sutras, tendo mencionado nove: Viadhy (doença), Styana (falta de preserverança), Samshaya (dúvida), Pramada (negligência), Alasya (preguiça), Avirati (gratificação sensorial), Brantidarshan (percepção equivocada), Alabdha-bhumikatva (incapacidade de progredir), Anavasthitatvani (incapacidade de manter o progresso alcançado).
Viadhy, a doença física ou mental, pode ser um impedimento bem forte, nos obrigando a parar. Quando retomamos a prática após uma doença que nos derrubou, devemos começar devagar, respeitando e sentindo os limites do nosso corpo. Também as lesões são reais e não devemos ignorar a dor. Mas uma lesão nem sempre obriga a parar de praticar ou executar determinadas posturas. Na maior parte das vezes, aquelas em que se sente dor podem ser modificadas. Nesse momento, podemos “conversar” com o músculo ou articulação afetada, perguntando onde dói e parando antes desse ponto. Não só é um excelente exercício de aceitação como nos leva a ganhar consciência corporal.  Ao mesmo tempo, ao não pararmos de trabalhar com a parte lesionada, aumentamos a circulação de sangue e linfa para a mesma e por consequência, o aporte de oxigênio e nutrientes, o que facilitará a recuperação. Se simplesmente pararmos de mexer aquela parte do corpo, esta receberá a mensagem de que deve ficar quieta e assim o fará. Também é importante entender a diferença entre a dor de uma lesão e a dor causada por um bloqueio, em que o corpo transmite um acúmulo de emoções estagnadas. Essas são talvez as que mais nos dão vontade de desistir, porque trazem consigo anos de medo, frustrações, raivas ou mágoas. No entanto, não é exatamente necessário entender as emoções que são a raiz da dor, até porque isso pode levar a uma racionalização excessiva do processo de liberação, interrompendo-o. Trabalhando com amor e com a respiração, esses bloqueios começarão a se desfazer.
Outro obstáculo de ordem física é Alasya, a preguiça, com que até a pessoa mais cheia de energia lida de vez em quando. É o conforto da cama que nos chama na madrugada, a vontade de ficar no sofá. É algo natural, inerente ao ser humano. O problema é quando nos impede de fazer o que sabemos que nos faz bem. É normalmente fruto de Tamas, a energia da escuridão e da inércia, que podemos estar alimentando, sem saber, através de dieta e estilo de vida. Comidas tamásicas, que embotam mente e corpo como carne vermelha, álcool e drogas, sejam elas estimulantes ou sedativas, um estilo de vida demasiado sedentário, com foco no prazer, hábitos noctívagos e até mesmo o tipo de arte que cultiva a escuridão, só vão aumentar essa energia dentro de nós, criando confusão, resistência à mudança e apatia.
Tamas pode estar também na origem de outro obstáculo, Styana, a preguiça mental. É essa tendência a procrastinação, a dificuldade de persistir, esse “ah, deixa para lá…” que tantas vezes toma conta de nós. Sabemos por experiência, que ir praticar nos fará sentir bem, mas adiamos. É uma estratégia do ego para não ter que modificar os padrões aos quais está acostumado, assim como da mente, que não quer ser controlada. Aí entra Tapas, o fogo da autodisciplina, tanto para a preguiça física como mental. É ele que nos faz sair da zona de conforto, que nos dá o impulso para sairmos da letargia. Uma boa estratégia para enganar mente e corpos preguiçosos é se propor a fazer algo, nem que seja pouco. Por exemplo, cinco Surya Namaskar e cinco B, ou cantar um mantra curto. O mais provável é que depois do motor colocado em marcha se torne mais fácil continuar.
Assim como Styana, Samshaya, a dúvida, é uma artimanha do ego e da mente para nos distrair do nosso objetivo. Não é que essas duas partes da consciência sejam malvadas, mas são como crianças mimadas, que focam no imediato e agradável. Não têm paciência para ficar alterando a estrutura existente, mesmo que ela resulte em frustrações, ou para ficar focando numa coisa só como a respiração, durante 2 horas seguidas. Querem distração, diversão, resultados rápidos. Quando isso não acontece, surge a ideia de que existe algum problema. Como sempre, tendemos a achar que existe algo de errado quando as coisas não correm como queremos. Podemos achar que o problema é nosso, focando nas dores que sentimos ou na própria anatomia. É o músculo encurtado, o joelho que sempre dói, o ombro fechado, tudo identificações erradas, que geram dúvida: para quê praticar, se nunca vou ultrapassar isso? Surge também a comparação com os outros: com o que evolui mais rápido, com o que tem o corpo mais aberto ou forte, com o que tem mais disciplina, o que for. A verdade é que o ego não resiste à comparação, porque é uma ótima desculpa para não ter que evoluir. Ou colocamos o problema no exterior: será que o Yoga é para mim? Será que há algo melhor? E se eu tentasse outra aula? Outro professor? Enquanto vamos pulando de aula em aula, método em método ou até de atividade em atividade, não temos que lidar com o que nos assusta.  O novo deslumbra, toma nossa atenção e nossas frustrações ficam latentes, mas caladas. Não se trata de abandonar o questionamento, que é fundamental, mas de persistir em algo o tempo necessário para que realmente possamos sentir seu benefício. A dúvida é algo tão constante na nossa vida, que se desistirmos de algo sempre que duvidamos, apenas teremos instabilidade e gastaremos mais energia a mudar a forma do que a nos aprofundarmos no conteúdo. A dúvida se acalma quando pensamos com o coração e seguimos aquilo que nos faz realmente bem.

Agora você pode estar pensando: dormir até tarde me faz bem, comer batata frita me faz bem, beber álcool me faz bem. Afinal, eu me divirto fazendo tudo isso. Primeiro, precisamos distinguir o que nos faz bem do que nos faz sentir bem. Por isso Avirati, gratificação sensorial ou falta de moderação, é um obstáculo: porque nos confunde, nos faz ir somente em busca do prazer. Este não é danoso por si, o problema é o apego que temos por ele. Até o apego a uma prática prazerosa pode ser prejudicial, se formos cada dia com essa expectativa e nos frustramos quando não é correspondida. Nenhum problema em gostar de sorvete de chocolate, mas e se desesperarmos quando não podemos comer? Ou se não conseguirmos comer outra coisa? Ou se comermos mesmo de cama com uma gripe forte e neve lá fora, sabendo que a nossa garganta vai doer depois? Talvez todo esse nosso amor por sorvete de chocolate esteja começando a nos fazer mais mal que bem. É aí que se faz necessária a observação de como reagimos quando não temos o prazer, do quanto estamos dispostos a abdicar para ter esse prazer, o que representa para nós. Porque muitas vezes, mais do que somente a gratificação imediata do desejo atendido, existe algo por trás, algo mais profundo. Tanto pode ser uma emoção com que não conseguimos lidar, em que se come o sorvete por ansiedade, como uma identificação errônea com determinados papeis que assumimos ao longe da vida e dos quais não nos conseguimos soltar. O boêmio, o bom gourmand, o preguiçoso que dorme até tarde, a máquina sexual… Tudo rótulos que nos prendem, mas que ao mesmo tempo nos dão segurança de sabermos quem somos. Sem eles, resta todo um vazio. Afinal, no vazio reside todo o potencial do Universo. Então, a proposta aqui não é ficar na austeridade ou abdicar do prazer, mas entender que esse é momentâneo, o quanto ele nos traz e se vale sacrificarmos algo que em longo prazo nos trará mais benefícios e mais bem-estar. 

Pramada é a negligência, a falta de cuidado. Se praticarmos sem atenção, não só não evoluiremos como ainda podemos causar danos. Colocar nossa atenção no que fazemos é a base para uma vida mais consciente. A prática nos ensina isso, mas também podemos praticar sem atenção. Seja lavando os pratos, seja fazendo asanas ou meditando, se não tivermos cuidado com o que estamos fazendo, o resultado será sempre o mesmo: a vida passa por nós como um filme, em que nos remetemos ao lugar de espectador, sem muita participação no que acontece. No entanto, como em tudo, o equilíbrio está no meio. Abordamos a prática com respeito e devoção, mas não precisamos ficar obcecados quanto a seus detalhes. A excessiva preocupação com questões como o alinhamento, enche nossa mente de questões, nos tira do momento e em última instância, é apenas mais uma distração como as outras.
Os últimos três obstáculos são muito comuns depois de um tempo praticando e talvez em si mesmos, constituam fases do processo de evolução no Yoga. O primeiro é Brantidarshan, a visão errônea e prematura que já sabemos do que se trata o Yoga. No momento em que julgamos saber tudo é exatamente quando estamos mais longe da verdade, quando perdemos toda a humildade. Aí surge o julgamento, a visão fechada de que há só um jeito de fazer as coisas (o nosso, claro), a arrogância e a inflexibilidade. E porque o resto do mundo não se vai render a nossa supremacia iluminada, existe o perigo de nos julgarmos incompreendidos, nos isolarmos e nos afastarmos da prática. 
O segundo é Alabdhabhumitatva, a incapacidade de avançar. Acontece muitas vezes que um praticante evolui rapidamente e logo esse processo abranda ou para. É o famoso plateâu, e pode ser desesperador, se não lidarmos com ele com paciência. Persistindo, mesmo com passos de tartaruga, guiados pelo Dharma, reafirmamos nosso caminho cada dia. O avanço pode ser imperceptível, mas continua acontecendo. E não se trata aqui somente de evolução nas posturas, mas também enquanto pessoas. 
O terceiro é Anavasthitatvam, que é a incapacidade de manter o progresso alcançado, que pode acontecer por instabilidade. De novo, a dúvida, a inconstância, a necessidade de alterar a forma, nos fazem perder o fio condutor. Se não mantemos uma constância na prática e aparecemos só de vez em quando, estaremos continuamente reiniciando um processo. É como uma escada que temos que subir, mas em que estamos constantemente voltando para o primeiro lance de degraus.
Dos nove obstáculos primários, vêm quatro secundários: Dukha (sofrimento), Daurmanasya (frustração), Angamejayatva (tremores) e Svasaprashvasa (respiração irregular). Podemos facilmente visualizar como todos os obstáculos se complementam e sucedem, se não tivermos a força para lidar com eles. Num exemplo aleatório, da preguiça vem a dúvida, que nos faz respirar irregularmente, causando dor, que nos leva a frustração, que faz com que não consigamos avançar, que nos leva a negligenciar nossa prática, o que causa uma lesão, que leva a inércia. Esse é só um dos cenários possíveis. Cabe-nos romper esses ciclos, entender que todos esses desafios fazem parte do caminho que escolhemos. Patanjali segue por vários sutras, descrevendo formas de ultrapassar esses obstáculos, mas qual a primeira? Concentrar-se numa coisa só. Por isso, escolha uma prática e persista nela. Diferentes métodos, diferentes aulas, fazer um Japa ou uma sequencia de Asanas, tudo são ramos de uma mesma árvore, com os mesmos frutos por colher. 

Um conto antigo narra a história de um homem que se perdeu no deserto. Estava morrendo de sede, quando passou uma caravana da qual saiu um grupo de pessoas, que logo veio ao seu encontro. Ele murmurou: “Água, água, por favor”. Mas as pessoas perguntaram: Queria diretamente do copo ou era melhor do cantil? Ou seria melhor uma xícara? Poderia ser de cristal ou era melhor de prata? Um cálice seria suficiente? Enquanto o grupo se debatia com estas questões, travando uma discussão acesa sobre como seria preferível servir a água, o homem deu o último suspiro, morrendo de sede. Esta história ilustra a facilidade com que nos prendemos a coisas banais e nos distraímos com questões insignificantes. Enquanto nos debatemos com detalhes, ignoramos o essencial: a nossa sede de liberação, o que afinal nos trouxe até ao Yoga.  E isso não é algo exclusivo a algumas pessoas, todos nós, em diferentes momentos, passamos por isso.

Então, esse texto é para quem está passando por um momento difícil e não consegue praticar sem que o pensamento voe. Para quem está pensando em desistir porque perdeu o entusiasmo inicial. Para quem não está conseguindo acordar no frio do Inverno. Para quem parou por uma questão importante como um problema de saúde e está se deparando com a dificuldade de recomeçar. Para quem se sente atraído pelo Yoga mas se acha muito duro para isso. Para quem pratica todos os dias e se culpa pelas vezes que não tem vontade de ir. Para quem está tendo dificuldade de conciliar uma vida social agitada com os horários de prática.  Para quem sente que não avança, por mais que pratique. Para quem pratica com o tempo contado, porque tem que levar o filho na escola ou ir para o trabalho e se questiona se vale a pena. Para quem começou agora e está sentindo que finalmente está no caminho certo, apaixonado pela descoberta. É para todos nós. Porque os obstáculos são inevitáveis e vão aparecer no Yoga, mas também na nossa vida, muitas mais vezes do que gostaríamos. Até o praticante mais avançado os encontrará. O que podemos transformar é a forma como lidamos com eles, alimentar essa capacidade de nos superarmos a cada momento, de irmos mais longe do que alguma vez pensamos. E lembrarmos que a pedra no caminho terá sempre o tamanho exato do passo que estivermos prontos para dar. 

Texto de Olga Rodrigues 
Fotos de Taeko

Equilibrando Vata

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Equilibrando Vata
Nos ciclos da Natureza, Vata, Pitta e Kapha estão sempre presentes, suas proporções variando harmoniosamente, como numa dança constante, em que quando um aumenta, o outro diminui.  Com o frio e o vento do Outono, Pitta começa a decair e Vata a aumentar. Naturalmente, também nós ganhamos qualidades desse Dosha: ficamos mais secos, frios e leves. 
Vata governa o sistema nervoso, o movimento e a comunicação no nosso corpo, por isso é tão importante mantê-lo equilibrado. Porque se esse Dosha agrava, a comunicação entre sistemas é alterada, o organismo desregula e mais facilmente Pitta e Kapha agravam também.  Por isso, vale estar atento para os sinais de desequilíbrio Vata: pele e cabelo secos e sem brilho, corpo duro, rígido e com dores, articulações que estralam e doem, apetite irregular, constipação, gases, abdômen distendido, urina e suor escassos. A mente fica agitada, nos sentimos ansiosos, suscetíveis a barulhos fortes, com medos e preocupações, insônias e dificuldade de concentração. 
Como semelhante gera semelhante, as pessoas com uma constituição predominantemente Vata são as que mais correm risco de agravar esse Dosha. São pessoas que geralmente têm uma estrutura longilínea, são magras, com ossos proeminentes, têm pele seca com pouca cor, suam pouco e são ágeis tanto fisicamente como mentalmente, captando rapidamente as informações. No entanto, pela sua qualidade agitada, têm tendência a ter uma memória fraca, pulando entre assuntos e interesses diferentes constantemente. São aquelas pessoas que têm muita facilidade de começar uma atividade ou projeto, mas a quem geralmente falta persistência e concentração para terminá-los. Em equilíbrio, são pessoas comunicativas, expansivas e alegres. 
Através da alimentação e estilo de vida, podemos contrabalançar a tendência de acumular Vata no Outono. Pensamos em seus atributos e como equilibrar cada um.  Precisamos contrapor o frio com alimentos e bebidas quentes, a agitação com alimentos e hábitos de vida que enraízem, a secura com hidratação e oleação. Porém, um dos desafios de adotar uma dieta anti-Vata está em que esta parecer ir contra aquilo que temos como ideia de saudável. O típico prato cheio de salada sem óleo, os snacks naturais, como as bolachas de arroz, a granola ou frutos secos, são precisamente aquilo que aumenta Vata. Isso não quer dizer que comecemos a comer o que vemos como oposto disso, como seriam as frituras ou queijos muito curados. Devemos sim, preferir alimentos que tragam Fogo, Terra e Água para nosso organismo. 
Como sempre, a observação é a chave. Olhe para seu prato e veja que elementos estão mais presentes. A comida é leve e seca como o Vento? Quente e penetrante como o Fogo? Ou úmida e pesada como a Terra e a Água? Que sabores são predominantes? Observe como se sente leve e aéreo depois de um prato de salada. Ou como a mente parece embotar depois de comer algo pesado como uma lasanha. Realmente compreender que qualidades tem uma refeição e como nos influenciará naquele determinado momento, é muito mais importante do que nos atermos a listas de alimentos que podemos ou não comer. Os brócolis podem causar gases e aumentar Vata, mas se bem cozidos, com especiarias picantes e molho, essa tendência é atenuada. Da mesma forma, o leite consumido gelado aumenta Kapha, de uma forma que se fervido com gengibre e cardamomo não. Também um prato picante agravará mais Pita se comido num ambiente estressante e acompanhado por álcool. Cada corpo é singular e ao mesmo tempo, parte do ambiente que o rodeia, assim como cada alimento. Por isso, é fundamental estarmos atentos para os ciclos naturais, como as estações e entendermos que constantemente temos de nos adaptar a eles, não o contrário.
Nesse caso, observando as qualidades do Outono e prevendo o possível acúmulo de Vata, podemos fazer algumas escolhas de forma a prevenir o agravo desse Dosha. Seguem algumas sugestões:
  • Raízes como cenoura, grãos, óleos e castanhas têm uma qualidade pesada que equilibra a leveza de Vata. Os óleos mais aconselhados são o de gergelim e ghee.
  • Os lácteos são nutritivos e ricos e por isso ótimos para Vata, mas devem ser consumidos com moderação quando há sinais de Kapha no corpo (congestão, muco, sensação de peso, inchaço).
  • Os sabores doce, ácido e salgado reduzem Vata, enquanto amargo e adstringente o aumentam.
  • Especiarias como gengibre, cominho, coentros, cúrcuma e pimenta preta estimulam o Agni e ajudam a produzir calor interno.
  • As frutas, por serem geralmente doces e nutritivas, são aconselhadas, porém as frutas secas como as tâmaras devem ser hidratadas. 
  • A comida crua, processada, congelada e seca deve ser evitada.
  • Alimentos que provocam gases como feijão e repolho são aqueles que mais aumentam Vata, devendo-se reduzir sua quantidade ou consumi-los com especiarias que estimulem a digestão.
  • Chás e sopas são uma ótima forma de nos mantermos quentes e hidratados.
  • É importante não saltar refeições. Uma característica Vata é ter um Agni irregular, em que a fome vem em horários sempre diferentes e logo passa, mesmo que não se coma. Quanto mais perdermos a rotina de nos alimentarmos em determinados horários, mais reforçamos essa tendência e mais acumulamos Vata.
  • Tal como os dias vão ficando mais curtos e as noites mais longas nesta época, também nossa tendência deve ser de abrandar o ritmo e repousar mais. Estimulantes como o café devem ser evitados, assim como rotinas ou exercícios extenuantes.
  • Vata é muito sensível a mudança. Viagens constantes, noites sem dormir, excesso de trabalho ou de estímulos audiovisuais como a televisão agravam esse Dosha e devem ser diminuídos.
  • Fazer uma massagem com óleo semanalmente, de preferência com óleo de gergelim aquecido, nutre e hidrata os tecidos, ao mesmo tempo em que relaxa.
A idéia é não esperar o desequilíbrio se instalar para atuar. A verdadeira saúde só é possível quando aceitamos e fluímos com as mudanças constantes, que acontecem a nossa volta e dentro de nós. Saber viver de acordo com os ciclos da Natureza é uma arte que perdemos, mas que podemos resgatar através da observação.

Texto: Olga Rodrigues
Fotos: Taeko


Clorella & Spirulina

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Super Foods: Clorella e Spirulina
As Super Foods desse mês são duas algas de tamanho tão pequeno que fica difícil acreditar que contenham tantos nutrientes. Falamos de Clorella e Spirulina. As duas são compostas por uma única célula, com a diferença que a primeira é revestida por parede celular e a outra não. Seus benefícios são muitos e se assemelham. 
Quando olhamos pela primeira vez para estes alimentos, o que vemos é sua forte cor verde. Esta se deve a clorofila, presente também em vegetais de folhas verdes como a couve. Esse nutriente ajuda na oxigenação do sangue, desintoxica fígado e intestino, combate inflamações e infecções, ajuda a manter a pressão arterial em níveis saudáveis e estimula o crescimento e reparo dos tecidos. Promove ainda uma flora bacteriana benéfica, que é fundamental para manter o corpo com saúde. Não por acaso o Ayurveda dá tanta importância ao funcionamento do sistema digestivo.
Uma das propriedades mais importantes da clorofila é o poder de alcalinizar o pH do nosso organismo. O que isso significa? pH diz respeito a potencial de Hidrogênio e quanto mais baixo o seu número, mais este elemento está presente, provocando acidez. Da mesma forma, quanto mais alto, menos hidrogênio e mais alcalino está o meio. O pH ideal do nosso corpo é de cerca de 7,3, ou seja, ligeiramente alcalino, mas nossos hábitos muitas vezes o acidificam, resultando em alergias, asma, resfriados, dores de cabeça, de músculos e articulações, inflamações, problemas de pele e ganho de peso. Em longo prazo, essa acidez pode gerar doenças degenerativas como o câncer e a artrite. Entre causas de diminuição do pH está o consumo de café, açúcar, carne, álcool e alimentos processados, bem como estresse e outros fatores ambientais. O poder alcalinizante dessas duas algas equilibra essa tendência acidificante do estilo de vida moderno.
Outro componente importante dessas duas Super Foods é o alto conteúdo de proteína. Enquanto a Clorella tem cerca de 50% deste nutriente, a Spirulina tem 75%, o que não acontece nem mesmo com a carne.  Extremamente ricas em ferro, ajudam ainda a prevenir ou combater a anemia. Assim, estas duas algas se tornam aliados perfeitos para vegetarianos, garantindo o aporte necessário tanto de proteínas como de ferro, dois componentes que se não forem cuidados podem estar em falta na dieta vegetariana. Para além disso, são repletas de vitamina A, C, D, E e do complexo B, assim como minerais essenciais como magnésio, cálcio e potássio. É comum escutar que são também ricas em vitamina B12, que geralmente só se encontra em produtos de origem animal. Porém, a B12 encontrada nestas algas não é digerida, o que impede sua absorção.
Algumas outras propriedades são ainda atribuídas as duas Super Foods, tal como: fortalecimento do sistema imunitário, controle do balanço hormonal, aumento da capacidade de foco e concentração, normalização da glicose no sangue e elevação dos níveis de energia.
Mas algumas coisas são únicas em cada alga. O que torna a Clorella especial é a capacidade de remover toxinas e metais pesados como o mercúrio, do corpo. Estes são difíceis de evitar, já que estão na alimentação, na água e até nas vacinas. Alguns dos sintomas de acúmulo crônico destes metais são: fadiga, problemas digestivos, articulações dolorosas, depressão e problemas reprodutivos femininos. Inclusive, os níveis elevados de metais pesados no sangue têm sido relacionados com o autismo. A questão é que mesmo que evitemos alimentos ou água com metais pesados dificilmente conseguimos remover os que já estão no corpo, sendo a Clorella um dos poucos alimentos que têm essa propriedade. 
Já a Spirulina, para além do seu conteúdo maior em proteína, tem ainda componentes que a diferenciam. Um deles é o fósforo, mineral importante na remineralização dos dentes. Os outros são os ácidos gordos essenciais, como o Omega 3 e 6, assim como GLA (ácido gama linolênico), que é um anti-inflamatório.
Bom, mas como introduzi-las na alimentação? Algumas pessoas se acostumam com o sabor, mas a verdade é que é forte e para muitos desagradável. Por isso, muitas vezes a opção é tomar em cápsulas ou comprimidos. Só que para ingerir a mesma quantidade de uma colher de sopa cheia são precisos muitos comprimidos. Então, uma alternativa pode ser ir introduzindo pequenas quantidades em sucos ou vitaminas, aumentando uma colher de chá de cada vez até o sabor se tornar mais aceitável. Essa introdução gradativa é importante também para evitar que o seu poder desintoxicante provoque desconfortos como náuseas ou diarreia, que podem acontecer quando o corpo está muito carregado de toxinas e tenta livrar-se delas rápidamente.  Assim, aos poucos, a quantidade diária pode ser aumentada até chegar entre 1 e 5 gramas.

Com tantas propriedades e pensando que podemos ter todos esses benefícios com uma colher de sopa ao dia, não é difícil entender porque receberam o nome Super

Foods. Afinal, raros são os alimentos que concentram tantos nutrientes em tão pouca quantidade e com aporte calórico tão baixo. Quem experimenta realmente sente como fica com mais energia, mais resistência a doenças e como o corpo parece mais leve quando tem menos toxinas. No entanto, não se trata de substituir outros alimentos como vegetais, grãos e sementes, que esses sim devem ser base da nossa alimentação. Pensemos nas SuperFoods como aliados e não como substitutos ou alternativas para as refeições.

Texto: Olga Rodrigues
Imagens: Google


Nyamas

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Com os Niyamas, seguimos nossa série sobre as oito partes do Ashtanga Yoga de Patanjali. Ao contrário dos Yamas, que guiam as relações com o exterior, os Niyamas nos dão a orientação quanto á relação conosco mesmos. São ações voltadas para o nosso interior, mas que facilitam a forma como nos movemos no mundo, abrindo caminho para os outros passos do Yoga. No Sutra 32 do Capitulo 2 dos Yoga Sutras, Patanjali cita os cinco Niyamas: Saucha, Santosha, Tapas, Svadhyaya e Ishvara Pranidhana.

Saucha
Refere-se à limpeza e pureza, tanto do corpo físico como da mente. Como em tudo, partimos do mais grosseiro para o mais sutil. Mas não se quer aqui pensar numa limpeza extrema, estéril. Pelo contrário, limpamos para uma maior consciência poder crescer, é uma ação positiva.
O corpo físico é a nossa casa neste mundo e através dele podemos experienciá-lo. Tantas e tantas vezes, as questões do corpo, como as doenças ou dores, não nos permitem estar em paz, fazem nos sofrer. É como uma casa entupida de coisas, acumulando poeira. A faxina é a parte difícil, mas depois desta logo nos sentimos mais aliviados, mais livres.  Então, preservar a limpeza do corpo, ainda que possa parecer uma preocupação extrema com o material ou supérfluo, é também um agradecimento por este organismo com que fomos presenteados. Em última instância, é também uma forma de aplicarmos os Yamas, respeitando os outros. Olhemos para a prática de asanas num Shala, como flui mais facilmente se os praticantes respeitam Saucha, tomando banho antes, cuidando da limpeza dos seus tapetinhos e suas roupas, evitando perfumes fortes. Isso torna mais leve o ambiente. É por respeitar Saucha, não do corpo, mas do lugar e consequentemente das pessoas que ali estão, que não devemos entrar de sapatos no Shala. Deixar as impurezas das ruas á porta é um gesto pequeno, mas com um grande significado de devoção pelo espaço sagrado de transformação que é um Shala.
No plano mais sutil da mente, Saucha é também fundamental, se queremos aumentar nossa capacidade de concentração e foco.  Se a mente é a lente pela qual captamos o mundo e se está cheia de poeira, é impossível enxerga-lo claramente, captamos somente uma imagem distorcida. Mas como limpá-la? Mais uma vez, através da observação dos nossos padrões, da forma como reagimos ao que nos rodeia. Por isso a prática de asanas é tão importante, ela pode ser um ponto de partida ótimo para esse caminho de auto conhecimento. No dia-a-dia, tendemos a alimentar padrões repetitivos e negativos, enchemos a mente com estímulos tamásicos e rajásicos. Logo, quando tentamos focar na respiração, dristhi e bandhas, descobrimos que milhões de pensamentos nos assaltam e interrompem, muitas vezes sem controle.  Á medida que a prática vai decorrendo, a mente fica mais clara, com menos oscilações e temos mais espaço para aproveitar o momento presente. Por isso nos sentimos tão relaxados depois. Limpamos nossa lente e o mundo parece mais simples.

Santosha
Significa contentamento, mas não aquele condicionado pelas situações que correspondem aos nossos desejos. Pelo contrário, é um contentamento perante a vida, em todas as suas nuances. Porque encaremos a realidade, para cada prazer há uma ilusão, uma expectativa e um desprazer no final, seja porque acabou seja porque a expectativa não foi correspondida. E nenhum problema em fazer coisas prazerosas, mas podemos não nos identificar com isso, de forma a que quando chegar o outro lado da moeda, não desesperemos. Quando estabelecemos Santosha dentro de nós, estamos satisfeitos com o que a vida nos traz. Precisamos reconhecer que o mundo não gira ao nosso redor, que se rege por leis universais e que nem sempre as coisas acontecem como preferiríamos. Porque vejamos: como poderia o mundo ser perfeito para todos, se a ideia de perfeição de cada um é diferente? Uma pessoa adora dias ensolarados e quentes, a outra prefere dias de chuva, mas a outra gosta de dias ventosos e frios. Como agradar a todos? E mais, a Natureza precisa de esses contrastes para funcionar. Então, Santosha requer a maturidade emocional de entendermos que o Universo não se conformará a nossa vontade e que não estamos sempre no lugar do condutor. Mas traz consigo a gratidão, uma forma de amor. Quando por exemplo, trazemos Santosha para a prática de asanas, paramos de querer chegar mais longe e de forçar o corpo a ir onde ele, simplesmente, não está preparado para ir. Aí sim, podemos agradecer, respirar e fluir, ganhando muito mais benefícios do que quando somente pensávamos na postura perfeita. 

Tapas
É muitas vezes traduzido como austeridade, mas a sua raiz traz a ideia do fogo que queima as impurezas e que ao mesmo tempo gera energia. Nenhum outro elemento tem a capacidade de transformar como o fogo. A água pode limpar, mas somente remove o que está a mais. O fogo liquefaz, molda, reduz ou dilata, podendo mesmo destruir. Neste sentido, é o fogo da autodisciplina, que torra as sementes dos samskaras, aqueles padrões que nos fazem agir condicionados por experiências anteriores, sem consciência ou atenção, e que parecem persistir mesmo contra nossa vontade, impedindo que estes germinem novamente. É o fogo da autodisciplina, que nos faz acordar antes do nascer do sol para praticar, que nos faz estudar sobre Yoga, que nos ajuda a purificar as nossas ações. É o fogo da vontade interior, aplicado positivamente. É também o calor produzido pelas práticas de Asana e Pranayama, que faz o sangue circular com mais força e eliminar bloqueios físicos, emocionais e energéticos.
É Tapas que leva a nos superarmos, sairmos da zona de conforto, conhecermos nossos limites, irmos um pouco mais além e descobrirmos que podemos dar muito mais. Mas claro, isso não significa nos colocarmos intencionalmente no sofrimento ou ignorar as dores que sentimos, sejam elas físicas ou emocionais. Todos sabemos que os momentos de crise são uma oportunidade enorme de crescimento, mas não por isso vamos provoca-los. Talvez esse seja mais um dos benefícios do Yoga, aprendermos a diferença entre dor e desconforto, tensão e atenção. Voltemos à prática de asana, se nos sentimos demasiado confortáveis nesta, é hora de avançar. Uma postura nova, se adequada, causa um desconforto saudável daqueles que obrigam a nos enfrentarmos. De repente, o ego diz que temos que conseguir chegar “lá” seja como for, a respiração fica ofegante, ao mesmo tempo sentimos medo e tensionamos o corpo, ocasionando dor e pensamos: “Mas eu já sabia que esse não era o melhor caminho?” E de novo, aprendemos a lição, que julgávamos aprendida. Só que cada vez avançamos um pouco mais nessa compreensão, entendemos melhor o nosso padrão. Ou mesmo nos asanas que já fazemos há anos, surge um desconforto numa parte do corpo e aí entra Tapas. Não como o fervor fanático que nos faz forçar a postura, machucando-nos. Mas como a autodisciplina que nos faz dominar o ego teimoso, que insiste em fazer o que sempre fez. Talvez outra parte do corpo precise abrir, talvez algo tenha mudado, mas trazendo a nossa atenção e rompendo o padrão, podemos passar esse limite que surgiu e talvez até aprofundar a postura.
Tapas é tão importante que é a primeira palavra do segundo capítulo dos Yoga Sutras. Neste primeiro sutra, Patanjali diz que Tapas, Svadhyaya e Ishvara Pranidhana (os seguintes Niyamas) constituem Kriya Yoga, o Yoga da ação. Ou seja, estes três Niyamas são ações práticas de auto-purificação, auto-observação e auto-conhecimento.
Svadhyaya
É o estudo, que pode ser de nós mesmos ou das sagradas escrituras. O auto-estudo é imprescindível: conhecer como está o corpo, o que desponta certas emoções, o que nos faz reagir sem pensar, que obstáculos nos colocamos a nós mesmos impedindo-nos de avançar, entre outros tantos mecanismos. Somente compreendendo como funciona nosso corpo e mente, podemos ultrapassar a identificação com estes e enxergar nosso verdadeiro Ser.
O estudo das escrituras e livros como a Baghavad Gita ou o Yoga Sutras também é fundamental. Eles estão repletos de sabedoria milenar e universal, que podemos aplicar na nossa vida. Mas como dizia Pattabhi Jois: “99% Prática 1% Teoria”. Podemos ler cinquenta livros sobre Samadhi, se desconsiderarmos todos os outros Angas, de nada servirá. Trata-se de praticar o que se aprende e não reduzir o estudo das escrituras a um debate filosófico.

Ishvara Pranidhana
Entrega a Ishvara é como uma chave mestra que abre as portas de todos os outros aspetos do Yoga. De fato, no primeiro capítulo, no sutra 23, Patanjali diz que Samadhi pode ser alcançado por Ishvara Pranidhana. No sutra seguinte, descreve Ishvara como uma alma especial, intocada por aflições, ações e seus frutos. É a Consciência Absoluta, livre do Karma e seus resultados.  A palavra que melhor traduz para português é Deus, porém, na sociedade ocidental, a maior parte de nós está condicionada escutá-la e pensar em um ser superior que age sobre o mundo, separado dele. A ideia de Ishvara é um pouco mais abrangente: é como uma alma que rege o Universo, mas que ao mesmo tempo o compõe. É a inteligência criadora e também a própria matéria. Ou seja, somos todos parte dessa Consciência e por isso Ishvara Pranidhana é rendermo-nos a nossa natureza essencial. 
Ishvara Pranidhana é também agir sem se apegar aos resultados, admitir que não estamos no controle. Temos poder de decisão, mas existe todo um Universo que recebe e conforma o nosso caminho, mesmo que ás vezes seja de maneiras que não entendemos completamente. Isso não significa ficar na passividade, não agir e esperar que Ishvara faça tudo por nós. Uma antiga história sufi conta sobre um mestre e um discípulo que viajavam pelo deserto. Á noite, o discípulo ficou responsável por amarrar os camelos, mas não o fez, simplesmente orou, pedindo a Deus que os guardasse. De manhã os camelos tinham desaparecido. O mestre perguntou: “O que aconteceu? Porque não prendeu os camelos?” e o discípulo respondeu “Mas eu pedi a Deus que os guardasse!” O mestre retrucou “Confia em Deus, mas amarra os camelos primeiro”. Assim é na vida, precisamos primeiro fazer nossa parte, fluindo com as regras do Dharma, para depois podermos entregar a Ishvara.
Pensemos na prática de Yoga como um jardim. Com Saucha limpamos a terra, com Santosha agradecemos a chuva, o sol e o vento, com Tapas queimamos as sementes das ervas daninhas que insistem em germinar, com Svadhyaya aprendemos mais sobre como criar um solo fértil e como plantar de acordo com as estações. No final, entregamos a Ishvara, confiando que qualquer que seja o resultado está de acordo com as leis do Universo. Agora, os frutos serão aqueles que plantamos. De sementes de abóbora não nascerão melancias, da mesma forma se plantamos falsidade não teremos verdade.  Ishvara Pranidhana, fazemos nossa parte e o resto virá.  De nada adianta ficar em baixo da árvore dias a fio, implorando ao fruto verde para cair. Se esperarmos pelo momento certo, provaremos um fruto suculento e saboroso, sem frustrações nem apego.  E ás vezes, algumas sementes não germinarão e saberemos que também isso é certo. Ishvara Pranidhana é estar pleno porque o Universo é pleno, é a compreensão final de que tudo o que precisamos está dentro de nós e por isso é o caminho mais direto para Samadhi.
Yamas e Niyamas são os pilares de uma prática de Yoga sólida e coerente. Estabelecendo-os e aplicando-os na nossa vida, estendemos a prática para todo o nosso dia, muito para além das duas horas no tapetinho. E assim, Yoga deixa de ser algo que fazemos e passa a ser algo que faz parte de nós.

Texto: Olga Rodrigues
Foto: Taeko

Ritmo & Tradição

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Ashtanga Yoga: Ritmo e Tradição
Quando se fala da tradição do Ashtanga, algumas perguntas inevitáveis surgem sempre. Provavelmente, as mesmas perguntas já passaram pela mente de todos os praticantes: “Não é cansativo fazer sempre a mesma coisa?”, “Por que seis dias por semana?” “Por que parar nos dias de Lua?”. A um primeiro olhar, podem até parecer dogmas, regras rígidas, mas têm um sentido. São linhas gerais que quem as cumpre sente como adequadas, mas requerem perseverança e devoção.
Repetição 
A repetição da mesma série todos os dias tem vários propósitos e resultados, mas poderia resumir-se a uma palavra: ritmo. A Natureza funciona em ciclos, que se repetem ritmicamente. Respiramos sempre na mesma sequência, com os mesmos músculos e órgãos, mas isso não quer dizer que não possamos explorar essa respiração, conseguindo diversos resultados como ficar mais ativos ou mais calmos. Da mesma forma, os asanas (posturas) repetidos por tantas e tantas vezes nos dão a oportunidade de nos explorarmos, de conhecermos melhor nosso corpo e mente. Se a cada prática mudamos a série, conforme nossa preferência ou habilidade, o foco fica nessa mudança e em aprender os asanas novos. Quando o corpo memoriza a série, podemos trabalhar com os aspetos mais sutis da prática.
O ritmo nos libera dos vrttis, das flutuações da mente. Sendo sempre a mesma série, não precisamos pensar o que vamos fazer hoje nem nos deixamos levar pelo ego na hora de elaborar uma sequência, seja nos limitando, seja forçando a mais do que aquilo para que estamos preparados. Mais importante, a repetição dá-nos autonomia. Em qualquer lugar do mundo, podemos entrar num Shala de Ashtanga Yoga e simplesmente praticar, ou mesmo fazê-lo sozinhos, quando não temos acesso a um Shala. O Ashtanga é para todos os tipos de pessoas, não exige que estas se dediquem exclusivamente ao Yoga e talvez por isso seja tão importante essa independência. Isso não quer dizer que não seja necessário um professor, que é fundamental, mas este é apenas um facilitador, o caminho é de cada um e tem algo de profundamente liberador nisso.
Mas a verdade é que a prática não é sempre a mesma. Para além da progressão nas séries, que vai transformando constantemente nossa prática, cada dia somos pessoas diferentes, com corpos diferentes. Uma das grandes chaves do Yoga é a auto-observação. Como posso observar algo se constantemente a forma se altera? Com a mesma sequência de asanas, conseguimos observar como realmente estamos, que efeito aquela comida teve no nosso corpo, como aquela discussão afetou nossas emoções ou como a mente nos controla segundo diferentes influências.  Ao longo do tempo, podemos observar nossa evolução, como conseguimos respirar onde antes ficávamos ofegantes, como relaxamos onde antes tínhamos medo. Não para agradar nosso ego, mas para recordarmos sempre que tudo passa e que temos em nós as respostas para ultrapassar os desafios, sejam eles um asana difícil ou uma mudança grande na nossa vida. A repetição se torna assim uma estratégia para o auto conhecimento.
Talvez o mais importante seja que o ritmo permite finalmente nos entregarmos ao momento presente e aceitar as coisas tal como elas são. Dias bons ou ruins, com o corpo duro ou flexível, cansados ou cheios de energia, a mente focada ou alterada, a série é a mesma, e torna-se um porto de abrigo, onde podemos observar esses opostos e aceitar a dualidade natural da vida. Só assim a podemos transcender e alcançar a unidade, que é afinal, a essência do Yoga.  Como num japa, em que cantamos repetidamente o mesmo mantra, também nessa repetição rítmica podemos finalmente relaxar na compreensão de que o silêncio, o absoluto, o Todo, é a única coisa que permanece. 
Rotina
Tradicionalmente se pratica seis vezes por semana, com descanso ao Sábado, aulas estilo Mysore toda a semana e guiada uma ou duas vezes por semana. Mais uma vez, o ritmo é a chave.
Esta rotina faz com que a prática seja inserida no ritmo diário, incorporada à nossa vida de tal forma que seja tão natural praticar quanto tomar banho. De fato, a prática funciona como uma limpeza de padrões, emoções e bloqueios, que não nos permitem enxergar o nosso verdadeiro Eu e que poluem a nossa vida. A prática restabelece o equilíbrio dos nossos corpos, por isso a Primeira Série é chamada Yoga Chikitsa (Yoga Terapia). A nível energético, também nossos nadis (canais energéticos) são purificados. Pensando nestes termos, voltamos à analogia do banho: É melhor tomar um banho prolongado uma vez por semana ou tomar um banho curto todos os dias? A resposta é obvia e por isso é fácil entender que se não se tem tempo, é preferível fazer menos cada dia, mas mais vezes por semana. Se praticamos só quando nos sentimos bem ou dispostos a isso, nunca chegaremos ao ponto em que praticar é tão natural que não precisamos mais travar batalhas internas de “vou /não vou”. A energia dissipada na indecisão é um desperdício, se pensarmos no quanto nos beneficiamos com a prática. E o que é pior, pelo caminho, vamos criando o samskara (impressão) da indecisão e da culpa, enquanto poderíamos estar construindo o samskara da prática como parte indispensável do nosso dia.
Muitas vezes também se escuta a frase “Mas eu não gosto de rotina, nem de repetição”. Realmente, a mente detesta não poder escolher. Como um macaco bêbado, ela pula de galho em galho, fazendo mil manobras de diversão, para simplesmente não parar. Retirados os vrttis de “que asana vou fazer?” ou “será que pratico hoje?”, a mente tem menos poder para nos distrair, somos obrigados a olhar para o que acontece dentro de nós, a rendermo-nos ao silêncio interior, em que a mente tem que ficar quieta. A prática estilo Mysore reduz as distrações de ter que escutar ou seguir um professor, dando mais espaço para escutarmos nosso diálogo interno e poder finalmente reduzi-lo.
No sutra 1.12, Patanjali diz que os vrttis são cessados por abhyasa (prática) e vairagya (desapego).  No sutra 1.14, descreve abhyasa como a prática constante, continuada por um período longo sem interrupções, feita com devoção. As pessoas chegam ao Ashtanga por diferentes razões e diversas motivações, todas válidas. Devemos ser honestos com nós mesmos e nossas prioridades. Talvez para quem queira somente um corpo em forma não seja tão importante esse ritmo de seis vezes por semana e a verdade é que está tudo bem com isso. Mas para quem busca “chitta vrtti nirodaha”, uma mente sem flutuações, é crucial seguir o conceito de abhyasa contido nos Yoga Sutras. O curioso é que embora ao início tenhamos de dedicar muita atenção e até fazer algum esforço para conquistarmos essa continuidade, se o fazemos de coração aberto, com plena confiança e devoção, se torna cada vez mais fácil, até que um dia se estabelece e instala. 
Vairagya, o desapego, está também presente nessa rotina de seis vezes por semana. Ao praticar a auto-observação todos os dias, se torna mais claro o que não nos faz bem, que hábitos e relações precisamos deixar ou transformar. Não por acaso, muitos praticantes deixam de comer carne ou de fumar ao longo do tempo, sem que sejam doutrinados para tal. Simplesmente, dentro de si, começam a sentir que é o certo fazer para viverem alinhados com o seu ser. 
Pausas
A tradição diz que não devemos praticar em dias de Lua Cheia ou Lua Nova nem nos três primeiros dias de menstruação. 
Os dias de Lua nos afetam muito, energeticamente, o que não é de admirar, se considerarmos a influência da Lua sobre as marés e a nossa constituição de 70% de água.  Quem não sentiu já a energia explosiva de uma noite de Lua cheia ou a tendência à introspeção na Lua Nova?  A Lua está também muito relacionada com a mente e como sabemos, quando a mente está perturbada temos mais probabilidade de nos magoarmos.  
As mulheres devem ainda se abster de praticar nos três primeiros dias de menstruação. Guruji recomendava ficar todos os dias sem praticar, até porque na Índia as mulheres não trabalham nem cozinham nesses dias. Isso pode nos chocar, já que parece uma desqualificação de uma cultura machista do nosso papel enquanto mulheres. Mas isso é se encararmos o período menstrual como uma inconveniência. No Ayurveda, assim como em muitas culturas indígenas ao redor do mundo, é visto como um momento de desintoxicação, sendo mais um privilégio do que um problema. Por isso, é importante honrar o ciclo menstrual, praticando ahimsa (não violência) também com nós mesmas, ao não desperdiçar energia que seria utilizada para esta função natural e ao não aquecer demasiado o corpo, que nesta época já tem um calor interno aumentado.
Quando praticamos, utilizando os Bandhas e focando na respiração, equilibramos a ação Apana Vayu (descendente) com Prana Vayu (ascendente). No período menstrual, Apana Vayu está e precisa estar mais ativo, especialmente nos três primeiros dias, por isso não é benéfico contradizer esse movimento descendente, que favorece a eliminação. Também por essa razão, nos restantes dias, não devemos realizar posturas invertidas. 
Estas pausas são um momento de praticar vairagya, o desapego. Mais uma vez, temos de nos render aos ritmos naturais da Lua e do nosso próprio corpo, aprendendo a descansar mesmo que seja muitas vezes contra nossa vontade. São pequenos exercícios mensais de desapego, que nos ensinam a deixar ir cada vez mais facilmente.
Precisamos reconhecer a sorte de ter um sistema que nos dá a oportunidade de nos conhecermos e transformarmos, com a segurança do conhecimento passado por gerações de sábios. Mas questionar está na natureza humana. A sugestão que fica é: ponha tudo isto á prova, se comprometa a seguir estas premissas por um longo tempo, deixe-se levar pelo ritmo, observe-se e escolha por si.  Talvez chegue á conclusão que nada disto faz sentido ou talvez chegue o dia em que as raízes de abhyasa e vairagya se transformem em asas. 
Texto: Olga Rodrigues
Fotos: Taeko