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Inspiração

Entrevista Kathy Cooper

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Entrevista com Kathy Cooper
Julho, 2014

1. Como você começou a praticar Yoga?

Eu ganhei meu primeiro livro de Yoga da minha mãe e fiquei interessada em começar a praticar. Me mudei para Maui em 1975 e comprei o livro de Richard Hittleman “28 Days Yoga Plan” (“Plano de Yoga de 28 dias”).

Maui é uma ilha pequena, e na época, havia um boato que um casal tinha aparecido com um tipo de Yoga novo. Foi então que conheci David Williams num mercadinho e pedi para ser sua aluna. Ele e Nancy só admitiam alguns alunos, já que eles não tinham um Shala, e por isso, me informaram que poderia começar apenas em novembro de 1976.

Nancy me dava aulas particulares num parque de Lahaina e depois de alguns meses, Forrest construiu um Shala de plástico, com chão de terra batida. Não havia tapetes de Yoga nessa altura e esse foi o começo da minha jornada pelo Yoga.

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2. O que mudou no seu caminho pelo Yoga desde então? Que lição você acredita ter sido a mais importante para você?

Em 3-4 anos em Maui, aprendi todas as séries do Ashtanga, na época chamadas Advanced A e B. A minha vida rodava em torno do Yoga. Hoje, eu pratico seis vezes por semana (quase sempre) e a pratica ainda tem muito a me ensinar diariamente. A maior lição é se entregar ao momento presente. Esse é o lugar em que a transformação, a cura, o despertar e as grandes lições acontecem.

3. Quando você conheceu Guruji? Pode falar um pouco da sua experiência com ele?

Eu o conheci em 1980, em Maui. Ele nos ensinou Advanced A com Full Vinyasa, seguido de meia hora em Sirsasana, por dois meses. Éramos um grupo pequeno e passavamos bastante tempo com ele e Ama. Eles eram amigáveis e interessados em explorar a Ilha. David e eu íamos com Guruji e Ama todos os dias para as aulas. Ele era muito caloroso e acessível e Ama nos dava aulas de culinária. Nossa única e grande limitação estava na língua.

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4. Além da prática de Ashtanga, você estudou também com vários professores de outros métodos e filosofias. Ás vezes, quando temos todas essas influências, é fácil nos distrairmos ou confundirmos. Como conseguiu permanecer focada na sua prática de Ashtanga e como essas influências contribuiriam para a sua jornada?

Ótima pergunta! Durante anos pratiquei sozinha. Por isso, além do Guruji, do David e da Nancy, eu não havia praticado com outros professores. Então, nos anos 90, fiz alguns workshops que a Nancy trazia, como Tim Miller e Richard Freeman. E apenas quando me mudei para a Califórnia foi que entrei na prática estilo Mysore, tal como ela estava sendo ensinada na cidade de Mysore naquela época.

Ainda que eu pratique Ashtanga Yoga, o meu despertar e o meu caminho de cura tem sido facilitados por outros professores espirituais que cruzaram o meu caminho. Sou muito grata por todas essas experiências e por ter conseguido reconhecer a “unidade” em todos eles. O Ashtanga Yoga é um caminho verdadeiro e tem me feito ir mais profundo ao longo dos anos através de todas minhas experiências. Sempre integrei tudo no meu tapetinho.

Eu não vejo Yoga como uma religião, mas sim como um caminho para a verdade universal dentro de cada um de nós.
Este é um assunto extenso e poderia ser desenvolvido numa conversa mais longa.

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5. Qual você acredita ser o segredo para praticarmos pelo resto de nossas vidas?

A minha experiência me diz que permanecer na prática, me movimentando e respirando, permitindo que a energia me abra, (sem forçar de alguma forma) é o que me conecta ao “flow”. Se entregar ao momento presente é o caminho e a benção da prática.

6. Há mais alguma coisa que queira acrescentar?

Á medida que tenho caminhado pela minha vida, curando meu corpo e mente, a prática de Ashtanga tem sido o meu leme. Todos os dias eu me sinto grata por ela. A prática me dá o tom de uma atitude aberta e positiva para receber e experienciar o dia de forma fresca. É uma imensa alegria encontrar pessoas que amam este método, que estão trabalhando para encontrar a paz e a verdade interior, que irradia e abençoa nosso mundo.

Kathy Cooper volta ao Brasil pelo quinto ano consecutivo. Programe-se e participe!!
De 09 à 28 de Outubro de 2016 em Floripa

Uma semana de intensivo completo e mais duas semanas de práticas Mysore com conferência no final de semana.
Inscrições abertas.

Saiba + informações, escreva para:
anaclaudiayoga@gmail.com

Obstáculos

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Obstáculos 

Quando iniciamos o caminho do Yoga e vemos a diferença que faz no nosso dia-a-dia, nos enchemos de entusiasmo, com vontade de descobrir mais e mais. Nesse primeiro momento, estamos dispostos a fazer sacrifícios e alterações na nossa rotina, tudo pela nova paixão. Mas, com o tempo, surgem alguns obstáculos que nos fazem estancar, retroceder e até abandonar a prática. Quem nunca se viu num momento difícil, em que seria mais fácil esquecer o Yoga?
Os desafios são muitos e surgem em diferentes formas e de diversas fontes. Ás vezes, são questões sobre as quais temos pouco controle, como uma doença. Outras, condições externas que põem a prova nossa determinação, como a chegada do frio. E ás vezes, são artimanhas da mente teimosa que persiste em padrões de auto-sabotagem. Seja como for, o importante é entender que tudo isso faz parte do caminho a que nos propusemos quando nos dedicamos ao Yoga. A prática é apenas um espelho da nossa vida e não será sempre perfeita ou prazerosa. É nos momentos que surgem os obstáculos que temos as maiores oportunidades de transformação e exatamente quando não devemos parar. Se aprendermos a lidar com eles, levaremos essa lição para a vida.
Esses obstáculos são tão antigos e universais que Patanjali já os referia nos Yoga Sutras, tendo mencionado nove: Viadhy (doença), Styana (falta de preserverança), Samshaya (dúvida), Pramada (negligência), Alasya (preguiça), Avirati (gratificação sensorial), Brantidarshan (percepção equivocada), Alabdha-bhumikatva (incapacidade de progredir), Anavasthitatvani (incapacidade de manter o progresso alcançado).
Viadhy, a doença física ou mental, pode ser um impedimento bem forte, nos obrigando a parar. Quando retomamos a prática após uma doença que nos derrubou, devemos começar devagar, respeitando e sentindo os limites do nosso corpo. Também as lesões são reais e não devemos ignorar a dor. Mas uma lesão nem sempre obriga a parar de praticar ou executar determinadas posturas. Na maior parte das vezes, aquelas em que se sente dor podem ser modificadas. Nesse momento, podemos “conversar” com o músculo ou articulação afetada, perguntando onde dói e parando antes desse ponto. Não só é um excelente exercício de aceitação como nos leva a ganhar consciência corporal.  Ao mesmo tempo, ao não pararmos de trabalhar com a parte lesionada, aumentamos a circulação de sangue e linfa para a mesma e por consequência, o aporte de oxigênio e nutrientes, o que facilitará a recuperação. Se simplesmente pararmos de mexer aquela parte do corpo, esta receberá a mensagem de que deve ficar quieta e assim o fará. Também é importante entender a diferença entre a dor de uma lesão e a dor causada por um bloqueio, em que o corpo transmite um acúmulo de emoções estagnadas. Essas são talvez as que mais nos dão vontade de desistir, porque trazem consigo anos de medo, frustrações, raivas ou mágoas. No entanto, não é exatamente necessário entender as emoções que são a raiz da dor, até porque isso pode levar a uma racionalização excessiva do processo de liberação, interrompendo-o. Trabalhando com amor e com a respiração, esses bloqueios começarão a se desfazer.
Outro obstáculo de ordem física é Alasya, a preguiça, com que até a pessoa mais cheia de energia lida de vez em quando. É o conforto da cama que nos chama na madrugada, a vontade de ficar no sofá. É algo natural, inerente ao ser humano. O problema é quando nos impede de fazer o que sabemos que nos faz bem. É normalmente fruto de Tamas, a energia da escuridão e da inércia, que podemos estar alimentando, sem saber, através de dieta e estilo de vida. Comidas tamásicas, que embotam mente e corpo como carne vermelha, álcool e drogas, sejam elas estimulantes ou sedativas, um estilo de vida demasiado sedentário, com foco no prazer, hábitos noctívagos e até mesmo o tipo de arte que cultiva a escuridão, só vão aumentar essa energia dentro de nós, criando confusão, resistência à mudança e apatia.
Tamas pode estar também na origem de outro obstáculo, Styana, a preguiça mental. É essa tendência a procrastinação, a dificuldade de persistir, esse “ah, deixa para lá…” que tantas vezes toma conta de nós. Sabemos por experiência, que ir praticar nos fará sentir bem, mas adiamos. É uma estratégia do ego para não ter que modificar os padrões aos quais está acostumado, assim como da mente, que não quer ser controlada. Aí entra Tapas, o fogo da autodisciplina, tanto para a preguiça física como mental. É ele que nos faz sair da zona de conforto, que nos dá o impulso para sairmos da letargia. Uma boa estratégia para enganar mente e corpos preguiçosos é se propor a fazer algo, nem que seja pouco. Por exemplo, cinco Surya Namaskar e cinco B, ou cantar um mantra curto. O mais provável é que depois do motor colocado em marcha se torne mais fácil continuar.
Assim como Styana, Samshaya, a dúvida, é uma artimanha do ego e da mente para nos distrair do nosso objetivo. Não é que essas duas partes da consciência sejam malvadas, mas são como crianças mimadas, que focam no imediato e agradável. Não têm paciência para ficar alterando a estrutura existente, mesmo que ela resulte em frustrações, ou para ficar focando numa coisa só como a respiração, durante 2 horas seguidas. Querem distração, diversão, resultados rápidos. Quando isso não acontece, surge a ideia de que existe algum problema. Como sempre, tendemos a achar que existe algo de errado quando as coisas não correm como queremos. Podemos achar que o problema é nosso, focando nas dores que sentimos ou na própria anatomia. É o músculo encurtado, o joelho que sempre dói, o ombro fechado, tudo identificações erradas, que geram dúvida: para quê praticar, se nunca vou ultrapassar isso? Surge também a comparação com os outros: com o que evolui mais rápido, com o que tem o corpo mais aberto ou forte, com o que tem mais disciplina, o que for. A verdade é que o ego não resiste à comparação, porque é uma ótima desculpa para não ter que evoluir. Ou colocamos o problema no exterior: será que o Yoga é para mim? Será que há algo melhor? E se eu tentasse outra aula? Outro professor? Enquanto vamos pulando de aula em aula, método em método ou até de atividade em atividade, não temos que lidar com o que nos assusta.  O novo deslumbra, toma nossa atenção e nossas frustrações ficam latentes, mas caladas. Não se trata de abandonar o questionamento, que é fundamental, mas de persistir em algo o tempo necessário para que realmente possamos sentir seu benefício. A dúvida é algo tão constante na nossa vida, que se desistirmos de algo sempre que duvidamos, apenas teremos instabilidade e gastaremos mais energia a mudar a forma do que a nos aprofundarmos no conteúdo. A dúvida se acalma quando pensamos com o coração e seguimos aquilo que nos faz realmente bem.

Agora você pode estar pensando: dormir até tarde me faz bem, comer batata frita me faz bem, beber álcool me faz bem. Afinal, eu me divirto fazendo tudo isso. Primeiro, precisamos distinguir o que nos faz bem do que nos faz sentir bem. Por isso Avirati, gratificação sensorial ou falta de moderação, é um obstáculo: porque nos confunde, nos faz ir somente em busca do prazer. Este não é danoso por si, o problema é o apego que temos por ele. Até o apego a uma prática prazerosa pode ser prejudicial, se formos cada dia com essa expectativa e nos frustramos quando não é correspondida. Nenhum problema em gostar de sorvete de chocolate, mas e se desesperarmos quando não podemos comer? Ou se não conseguirmos comer outra coisa? Ou se comermos mesmo de cama com uma gripe forte e neve lá fora, sabendo que a nossa garganta vai doer depois? Talvez todo esse nosso amor por sorvete de chocolate esteja começando a nos fazer mais mal que bem. É aí que se faz necessária a observação de como reagimos quando não temos o prazer, do quanto estamos dispostos a abdicar para ter esse prazer, o que representa para nós. Porque muitas vezes, mais do que somente a gratificação imediata do desejo atendido, existe algo por trás, algo mais profundo. Tanto pode ser uma emoção com que não conseguimos lidar, em que se come o sorvete por ansiedade, como uma identificação errônea com determinados papeis que assumimos ao longe da vida e dos quais não nos conseguimos soltar. O boêmio, o bom gourmand, o preguiçoso que dorme até tarde, a máquina sexual… Tudo rótulos que nos prendem, mas que ao mesmo tempo nos dão segurança de sabermos quem somos. Sem eles, resta todo um vazio. Afinal, no vazio reside todo o potencial do Universo. Então, a proposta aqui não é ficar na austeridade ou abdicar do prazer, mas entender que esse é momentâneo, o quanto ele nos traz e se vale sacrificarmos algo que em longo prazo nos trará mais benefícios e mais bem-estar. 

Pramada é a negligência, a falta de cuidado. Se praticarmos sem atenção, não só não evoluiremos como ainda podemos causar danos. Colocar nossa atenção no que fazemos é a base para uma vida mais consciente. A prática nos ensina isso, mas também podemos praticar sem atenção. Seja lavando os pratos, seja fazendo asanas ou meditando, se não tivermos cuidado com o que estamos fazendo, o resultado será sempre o mesmo: a vida passa por nós como um filme, em que nos remetemos ao lugar de espectador, sem muita participação no que acontece. No entanto, como em tudo, o equilíbrio está no meio. Abordamos a prática com respeito e devoção, mas não precisamos ficar obcecados quanto a seus detalhes. A excessiva preocupação com questões como o alinhamento, enche nossa mente de questões, nos tira do momento e em última instância, é apenas mais uma distração como as outras.
Os últimos três obstáculos são muito comuns depois de um tempo praticando e talvez em si mesmos, constituam fases do processo de evolução no Yoga. O primeiro é Brantidarshan, a visão errônea e prematura que já sabemos do que se trata o Yoga. No momento em que julgamos saber tudo é exatamente quando estamos mais longe da verdade, quando perdemos toda a humildade. Aí surge o julgamento, a visão fechada de que há só um jeito de fazer as coisas (o nosso, claro), a arrogância e a inflexibilidade. E porque o resto do mundo não se vai render a nossa supremacia iluminada, existe o perigo de nos julgarmos incompreendidos, nos isolarmos e nos afastarmos da prática. 
O segundo é Alabdhabhumitatva, a incapacidade de avançar. Acontece muitas vezes que um praticante evolui rapidamente e logo esse processo abranda ou para. É o famoso plateâu, e pode ser desesperador, se não lidarmos com ele com paciência. Persistindo, mesmo com passos de tartaruga, guiados pelo Dharma, reafirmamos nosso caminho cada dia. O avanço pode ser imperceptível, mas continua acontecendo. E não se trata aqui somente de evolução nas posturas, mas também enquanto pessoas. 
O terceiro é Anavasthitatvam, que é a incapacidade de manter o progresso alcançado, que pode acontecer por instabilidade. De novo, a dúvida, a inconstância, a necessidade de alterar a forma, nos fazem perder o fio condutor. Se não mantemos uma constância na prática e aparecemos só de vez em quando, estaremos continuamente reiniciando um processo. É como uma escada que temos que subir, mas em que estamos constantemente voltando para o primeiro lance de degraus.
Dos nove obstáculos primários, vêm quatro secundários: Dukha (sofrimento), Daurmanasya (frustração), Angamejayatva (tremores) e Svasaprashvasa (respiração irregular). Podemos facilmente visualizar como todos os obstáculos se complementam e sucedem, se não tivermos a força para lidar com eles. Num exemplo aleatório, da preguiça vem a dúvida, que nos faz respirar irregularmente, causando dor, que nos leva a frustração, que faz com que não consigamos avançar, que nos leva a negligenciar nossa prática, o que causa uma lesão, que leva a inércia. Esse é só um dos cenários possíveis. Cabe-nos romper esses ciclos, entender que todos esses desafios fazem parte do caminho que escolhemos. Patanjali segue por vários sutras, descrevendo formas de ultrapassar esses obstáculos, mas qual a primeira? Concentrar-se numa coisa só. Por isso, escolha uma prática e persista nela. Diferentes métodos, diferentes aulas, fazer um Japa ou uma sequencia de Asanas, tudo são ramos de uma mesma árvore, com os mesmos frutos por colher. 

Um conto antigo narra a história de um homem que se perdeu no deserto. Estava morrendo de sede, quando passou uma caravana da qual saiu um grupo de pessoas, que logo veio ao seu encontro. Ele murmurou: “Água, água, por favor”. Mas as pessoas perguntaram: Queria diretamente do copo ou era melhor do cantil? Ou seria melhor uma xícara? Poderia ser de cristal ou era melhor de prata? Um cálice seria suficiente? Enquanto o grupo se debatia com estas questões, travando uma discussão acesa sobre como seria preferível servir a água, o homem deu o último suspiro, morrendo de sede. Esta história ilustra a facilidade com que nos prendemos a coisas banais e nos distraímos com questões insignificantes. Enquanto nos debatemos com detalhes, ignoramos o essencial: a nossa sede de liberação, o que afinal nos trouxe até ao Yoga.  E isso não é algo exclusivo a algumas pessoas, todos nós, em diferentes momentos, passamos por isso.

Então, esse texto é para quem está passando por um momento difícil e não consegue praticar sem que o pensamento voe. Para quem está pensando em desistir porque perdeu o entusiasmo inicial. Para quem não está conseguindo acordar no frio do Inverno. Para quem parou por uma questão importante como um problema de saúde e está se deparando com a dificuldade de recomeçar. Para quem se sente atraído pelo Yoga mas se acha muito duro para isso. Para quem pratica todos os dias e se culpa pelas vezes que não tem vontade de ir. Para quem está tendo dificuldade de conciliar uma vida social agitada com os horários de prática.  Para quem sente que não avança, por mais que pratique. Para quem pratica com o tempo contado, porque tem que levar o filho na escola ou ir para o trabalho e se questiona se vale a pena. Para quem começou agora e está sentindo que finalmente está no caminho certo, apaixonado pela descoberta. É para todos nós. Porque os obstáculos são inevitáveis e vão aparecer no Yoga, mas também na nossa vida, muitas mais vezes do que gostaríamos. Até o praticante mais avançado os encontrará. O que podemos transformar é a forma como lidamos com eles, alimentar essa capacidade de nos superarmos a cada momento, de irmos mais longe do que alguma vez pensamos. E lembrarmos que a pedra no caminho terá sempre o tamanho exato do passo que estivermos prontos para dar. 

Texto de Olga Rodrigues 
Fotos de Taeko

Nyamas

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Com os Niyamas, seguimos nossa série sobre as oito partes do Ashtanga Yoga de Patanjali. Ao contrário dos Yamas, que guiam as relações com o exterior, os Niyamas nos dão a orientação quanto á relação conosco mesmos. São ações voltadas para o nosso interior, mas que facilitam a forma como nos movemos no mundo, abrindo caminho para os outros passos do Yoga. No Sutra 32 do Capitulo 2 dos Yoga Sutras, Patanjali cita os cinco Niyamas: Saucha, Santosha, Tapas, Svadhyaya e Ishvara Pranidhana.

Saucha
Refere-se à limpeza e pureza, tanto do corpo físico como da mente. Como em tudo, partimos do mais grosseiro para o mais sutil. Mas não se quer aqui pensar numa limpeza extrema, estéril. Pelo contrário, limpamos para uma maior consciência poder crescer, é uma ação positiva.
O corpo físico é a nossa casa neste mundo e através dele podemos experienciá-lo. Tantas e tantas vezes, as questões do corpo, como as doenças ou dores, não nos permitem estar em paz, fazem nos sofrer. É como uma casa entupida de coisas, acumulando poeira. A faxina é a parte difícil, mas depois desta logo nos sentimos mais aliviados, mais livres.  Então, preservar a limpeza do corpo, ainda que possa parecer uma preocupação extrema com o material ou supérfluo, é também um agradecimento por este organismo com que fomos presenteados. Em última instância, é também uma forma de aplicarmos os Yamas, respeitando os outros. Olhemos para a prática de asanas num Shala, como flui mais facilmente se os praticantes respeitam Saucha, tomando banho antes, cuidando da limpeza dos seus tapetinhos e suas roupas, evitando perfumes fortes. Isso torna mais leve o ambiente. É por respeitar Saucha, não do corpo, mas do lugar e consequentemente das pessoas que ali estão, que não devemos entrar de sapatos no Shala. Deixar as impurezas das ruas á porta é um gesto pequeno, mas com um grande significado de devoção pelo espaço sagrado de transformação que é um Shala.
No plano mais sutil da mente, Saucha é também fundamental, se queremos aumentar nossa capacidade de concentração e foco.  Se a mente é a lente pela qual captamos o mundo e se está cheia de poeira, é impossível enxerga-lo claramente, captamos somente uma imagem distorcida. Mas como limpá-la? Mais uma vez, através da observação dos nossos padrões, da forma como reagimos ao que nos rodeia. Por isso a prática de asanas é tão importante, ela pode ser um ponto de partida ótimo para esse caminho de auto conhecimento. No dia-a-dia, tendemos a alimentar padrões repetitivos e negativos, enchemos a mente com estímulos tamásicos e rajásicos. Logo, quando tentamos focar na respiração, dristhi e bandhas, descobrimos que milhões de pensamentos nos assaltam e interrompem, muitas vezes sem controle.  Á medida que a prática vai decorrendo, a mente fica mais clara, com menos oscilações e temos mais espaço para aproveitar o momento presente. Por isso nos sentimos tão relaxados depois. Limpamos nossa lente e o mundo parece mais simples.

Santosha
Significa contentamento, mas não aquele condicionado pelas situações que correspondem aos nossos desejos. Pelo contrário, é um contentamento perante a vida, em todas as suas nuances. Porque encaremos a realidade, para cada prazer há uma ilusão, uma expectativa e um desprazer no final, seja porque acabou seja porque a expectativa não foi correspondida. E nenhum problema em fazer coisas prazerosas, mas podemos não nos identificar com isso, de forma a que quando chegar o outro lado da moeda, não desesperemos. Quando estabelecemos Santosha dentro de nós, estamos satisfeitos com o que a vida nos traz. Precisamos reconhecer que o mundo não gira ao nosso redor, que se rege por leis universais e que nem sempre as coisas acontecem como preferiríamos. Porque vejamos: como poderia o mundo ser perfeito para todos, se a ideia de perfeição de cada um é diferente? Uma pessoa adora dias ensolarados e quentes, a outra prefere dias de chuva, mas a outra gosta de dias ventosos e frios. Como agradar a todos? E mais, a Natureza precisa de esses contrastes para funcionar. Então, Santosha requer a maturidade emocional de entendermos que o Universo não se conformará a nossa vontade e que não estamos sempre no lugar do condutor. Mas traz consigo a gratidão, uma forma de amor. Quando por exemplo, trazemos Santosha para a prática de asanas, paramos de querer chegar mais longe e de forçar o corpo a ir onde ele, simplesmente, não está preparado para ir. Aí sim, podemos agradecer, respirar e fluir, ganhando muito mais benefícios do que quando somente pensávamos na postura perfeita. 

Tapas
É muitas vezes traduzido como austeridade, mas a sua raiz traz a ideia do fogo que queima as impurezas e que ao mesmo tempo gera energia. Nenhum outro elemento tem a capacidade de transformar como o fogo. A água pode limpar, mas somente remove o que está a mais. O fogo liquefaz, molda, reduz ou dilata, podendo mesmo destruir. Neste sentido, é o fogo da autodisciplina, que torra as sementes dos samskaras, aqueles padrões que nos fazem agir condicionados por experiências anteriores, sem consciência ou atenção, e que parecem persistir mesmo contra nossa vontade, impedindo que estes germinem novamente. É o fogo da autodisciplina, que nos faz acordar antes do nascer do sol para praticar, que nos faz estudar sobre Yoga, que nos ajuda a purificar as nossas ações. É o fogo da vontade interior, aplicado positivamente. É também o calor produzido pelas práticas de Asana e Pranayama, que faz o sangue circular com mais força e eliminar bloqueios físicos, emocionais e energéticos.
É Tapas que leva a nos superarmos, sairmos da zona de conforto, conhecermos nossos limites, irmos um pouco mais além e descobrirmos que podemos dar muito mais. Mas claro, isso não significa nos colocarmos intencionalmente no sofrimento ou ignorar as dores que sentimos, sejam elas físicas ou emocionais. Todos sabemos que os momentos de crise são uma oportunidade enorme de crescimento, mas não por isso vamos provoca-los. Talvez esse seja mais um dos benefícios do Yoga, aprendermos a diferença entre dor e desconforto, tensão e atenção. Voltemos à prática de asana, se nos sentimos demasiado confortáveis nesta, é hora de avançar. Uma postura nova, se adequada, causa um desconforto saudável daqueles que obrigam a nos enfrentarmos. De repente, o ego diz que temos que conseguir chegar “lá” seja como for, a respiração fica ofegante, ao mesmo tempo sentimos medo e tensionamos o corpo, ocasionando dor e pensamos: “Mas eu já sabia que esse não era o melhor caminho?” E de novo, aprendemos a lição, que julgávamos aprendida. Só que cada vez avançamos um pouco mais nessa compreensão, entendemos melhor o nosso padrão. Ou mesmo nos asanas que já fazemos há anos, surge um desconforto numa parte do corpo e aí entra Tapas. Não como o fervor fanático que nos faz forçar a postura, machucando-nos. Mas como a autodisciplina que nos faz dominar o ego teimoso, que insiste em fazer o que sempre fez. Talvez outra parte do corpo precise abrir, talvez algo tenha mudado, mas trazendo a nossa atenção e rompendo o padrão, podemos passar esse limite que surgiu e talvez até aprofundar a postura.
Tapas é tão importante que é a primeira palavra do segundo capítulo dos Yoga Sutras. Neste primeiro sutra, Patanjali diz que Tapas, Svadhyaya e Ishvara Pranidhana (os seguintes Niyamas) constituem Kriya Yoga, o Yoga da ação. Ou seja, estes três Niyamas são ações práticas de auto-purificação, auto-observação e auto-conhecimento.
Svadhyaya
É o estudo, que pode ser de nós mesmos ou das sagradas escrituras. O auto-estudo é imprescindível: conhecer como está o corpo, o que desponta certas emoções, o que nos faz reagir sem pensar, que obstáculos nos colocamos a nós mesmos impedindo-nos de avançar, entre outros tantos mecanismos. Somente compreendendo como funciona nosso corpo e mente, podemos ultrapassar a identificação com estes e enxergar nosso verdadeiro Ser.
O estudo das escrituras e livros como a Baghavad Gita ou o Yoga Sutras também é fundamental. Eles estão repletos de sabedoria milenar e universal, que podemos aplicar na nossa vida. Mas como dizia Pattabhi Jois: “99% Prática 1% Teoria”. Podemos ler cinquenta livros sobre Samadhi, se desconsiderarmos todos os outros Angas, de nada servirá. Trata-se de praticar o que se aprende e não reduzir o estudo das escrituras a um debate filosófico.

Ishvara Pranidhana
Entrega a Ishvara é como uma chave mestra que abre as portas de todos os outros aspetos do Yoga. De fato, no primeiro capítulo, no sutra 23, Patanjali diz que Samadhi pode ser alcançado por Ishvara Pranidhana. No sutra seguinte, descreve Ishvara como uma alma especial, intocada por aflições, ações e seus frutos. É a Consciência Absoluta, livre do Karma e seus resultados.  A palavra que melhor traduz para português é Deus, porém, na sociedade ocidental, a maior parte de nós está condicionada escutá-la e pensar em um ser superior que age sobre o mundo, separado dele. A ideia de Ishvara é um pouco mais abrangente: é como uma alma que rege o Universo, mas que ao mesmo tempo o compõe. É a inteligência criadora e também a própria matéria. Ou seja, somos todos parte dessa Consciência e por isso Ishvara Pranidhana é rendermo-nos a nossa natureza essencial. 
Ishvara Pranidhana é também agir sem se apegar aos resultados, admitir que não estamos no controle. Temos poder de decisão, mas existe todo um Universo que recebe e conforma o nosso caminho, mesmo que ás vezes seja de maneiras que não entendemos completamente. Isso não significa ficar na passividade, não agir e esperar que Ishvara faça tudo por nós. Uma antiga história sufi conta sobre um mestre e um discípulo que viajavam pelo deserto. Á noite, o discípulo ficou responsável por amarrar os camelos, mas não o fez, simplesmente orou, pedindo a Deus que os guardasse. De manhã os camelos tinham desaparecido. O mestre perguntou: “O que aconteceu? Porque não prendeu os camelos?” e o discípulo respondeu “Mas eu pedi a Deus que os guardasse!” O mestre retrucou “Confia em Deus, mas amarra os camelos primeiro”. Assim é na vida, precisamos primeiro fazer nossa parte, fluindo com as regras do Dharma, para depois podermos entregar a Ishvara.
Pensemos na prática de Yoga como um jardim. Com Saucha limpamos a terra, com Santosha agradecemos a chuva, o sol e o vento, com Tapas queimamos as sementes das ervas daninhas que insistem em germinar, com Svadhyaya aprendemos mais sobre como criar um solo fértil e como plantar de acordo com as estações. No final, entregamos a Ishvara, confiando que qualquer que seja o resultado está de acordo com as leis do Universo. Agora, os frutos serão aqueles que plantamos. De sementes de abóbora não nascerão melancias, da mesma forma se plantamos falsidade não teremos verdade.  Ishvara Pranidhana, fazemos nossa parte e o resto virá.  De nada adianta ficar em baixo da árvore dias a fio, implorando ao fruto verde para cair. Se esperarmos pelo momento certo, provaremos um fruto suculento e saboroso, sem frustrações nem apego.  E ás vezes, algumas sementes não germinarão e saberemos que também isso é certo. Ishvara Pranidhana é estar pleno porque o Universo é pleno, é a compreensão final de que tudo o que precisamos está dentro de nós e por isso é o caminho mais direto para Samadhi.
Yamas e Niyamas são os pilares de uma prática de Yoga sólida e coerente. Estabelecendo-os e aplicando-os na nossa vida, estendemos a prática para todo o nosso dia, muito para além das duas horas no tapetinho. E assim, Yoga deixa de ser algo que fazemos e passa a ser algo que faz parte de nós.

Texto: Olga Rodrigues
Foto: Taeko

Ritmo & Tradição

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Ashtanga Yoga: Ritmo e Tradição
Quando se fala da tradição do Ashtanga, algumas perguntas inevitáveis surgem sempre. Provavelmente, as mesmas perguntas já passaram pela mente de todos os praticantes: “Não é cansativo fazer sempre a mesma coisa?”, “Por que seis dias por semana?” “Por que parar nos dias de Lua?”. A um primeiro olhar, podem até parecer dogmas, regras rígidas, mas têm um sentido. São linhas gerais que quem as cumpre sente como adequadas, mas requerem perseverança e devoção.
Repetição 
A repetição da mesma série todos os dias tem vários propósitos e resultados, mas poderia resumir-se a uma palavra: ritmo. A Natureza funciona em ciclos, que se repetem ritmicamente. Respiramos sempre na mesma sequência, com os mesmos músculos e órgãos, mas isso não quer dizer que não possamos explorar essa respiração, conseguindo diversos resultados como ficar mais ativos ou mais calmos. Da mesma forma, os asanas (posturas) repetidos por tantas e tantas vezes nos dão a oportunidade de nos explorarmos, de conhecermos melhor nosso corpo e mente. Se a cada prática mudamos a série, conforme nossa preferência ou habilidade, o foco fica nessa mudança e em aprender os asanas novos. Quando o corpo memoriza a série, podemos trabalhar com os aspetos mais sutis da prática.
O ritmo nos libera dos vrttis, das flutuações da mente. Sendo sempre a mesma série, não precisamos pensar o que vamos fazer hoje nem nos deixamos levar pelo ego na hora de elaborar uma sequência, seja nos limitando, seja forçando a mais do que aquilo para que estamos preparados. Mais importante, a repetição dá-nos autonomia. Em qualquer lugar do mundo, podemos entrar num Shala de Ashtanga Yoga e simplesmente praticar, ou mesmo fazê-lo sozinhos, quando não temos acesso a um Shala. O Ashtanga é para todos os tipos de pessoas, não exige que estas se dediquem exclusivamente ao Yoga e talvez por isso seja tão importante essa independência. Isso não quer dizer que não seja necessário um professor, que é fundamental, mas este é apenas um facilitador, o caminho é de cada um e tem algo de profundamente liberador nisso.
Mas a verdade é que a prática não é sempre a mesma. Para além da progressão nas séries, que vai transformando constantemente nossa prática, cada dia somos pessoas diferentes, com corpos diferentes. Uma das grandes chaves do Yoga é a auto-observação. Como posso observar algo se constantemente a forma se altera? Com a mesma sequência de asanas, conseguimos observar como realmente estamos, que efeito aquela comida teve no nosso corpo, como aquela discussão afetou nossas emoções ou como a mente nos controla segundo diferentes influências.  Ao longo do tempo, podemos observar nossa evolução, como conseguimos respirar onde antes ficávamos ofegantes, como relaxamos onde antes tínhamos medo. Não para agradar nosso ego, mas para recordarmos sempre que tudo passa e que temos em nós as respostas para ultrapassar os desafios, sejam eles um asana difícil ou uma mudança grande na nossa vida. A repetição se torna assim uma estratégia para o auto conhecimento.
Talvez o mais importante seja que o ritmo permite finalmente nos entregarmos ao momento presente e aceitar as coisas tal como elas são. Dias bons ou ruins, com o corpo duro ou flexível, cansados ou cheios de energia, a mente focada ou alterada, a série é a mesma, e torna-se um porto de abrigo, onde podemos observar esses opostos e aceitar a dualidade natural da vida. Só assim a podemos transcender e alcançar a unidade, que é afinal, a essência do Yoga.  Como num japa, em que cantamos repetidamente o mesmo mantra, também nessa repetição rítmica podemos finalmente relaxar na compreensão de que o silêncio, o absoluto, o Todo, é a única coisa que permanece. 
Rotina
Tradicionalmente se pratica seis vezes por semana, com descanso ao Sábado, aulas estilo Mysore toda a semana e guiada uma ou duas vezes por semana. Mais uma vez, o ritmo é a chave.
Esta rotina faz com que a prática seja inserida no ritmo diário, incorporada à nossa vida de tal forma que seja tão natural praticar quanto tomar banho. De fato, a prática funciona como uma limpeza de padrões, emoções e bloqueios, que não nos permitem enxergar o nosso verdadeiro Eu e que poluem a nossa vida. A prática restabelece o equilíbrio dos nossos corpos, por isso a Primeira Série é chamada Yoga Chikitsa (Yoga Terapia). A nível energético, também nossos nadis (canais energéticos) são purificados. Pensando nestes termos, voltamos à analogia do banho: É melhor tomar um banho prolongado uma vez por semana ou tomar um banho curto todos os dias? A resposta é obvia e por isso é fácil entender que se não se tem tempo, é preferível fazer menos cada dia, mas mais vezes por semana. Se praticamos só quando nos sentimos bem ou dispostos a isso, nunca chegaremos ao ponto em que praticar é tão natural que não precisamos mais travar batalhas internas de “vou /não vou”. A energia dissipada na indecisão é um desperdício, se pensarmos no quanto nos beneficiamos com a prática. E o que é pior, pelo caminho, vamos criando o samskara (impressão) da indecisão e da culpa, enquanto poderíamos estar construindo o samskara da prática como parte indispensável do nosso dia.
Muitas vezes também se escuta a frase “Mas eu não gosto de rotina, nem de repetição”. Realmente, a mente detesta não poder escolher. Como um macaco bêbado, ela pula de galho em galho, fazendo mil manobras de diversão, para simplesmente não parar. Retirados os vrttis de “que asana vou fazer?” ou “será que pratico hoje?”, a mente tem menos poder para nos distrair, somos obrigados a olhar para o que acontece dentro de nós, a rendermo-nos ao silêncio interior, em que a mente tem que ficar quieta. A prática estilo Mysore reduz as distrações de ter que escutar ou seguir um professor, dando mais espaço para escutarmos nosso diálogo interno e poder finalmente reduzi-lo.
No sutra 1.12, Patanjali diz que os vrttis são cessados por abhyasa (prática) e vairagya (desapego).  No sutra 1.14, descreve abhyasa como a prática constante, continuada por um período longo sem interrupções, feita com devoção. As pessoas chegam ao Ashtanga por diferentes razões e diversas motivações, todas válidas. Devemos ser honestos com nós mesmos e nossas prioridades. Talvez para quem queira somente um corpo em forma não seja tão importante esse ritmo de seis vezes por semana e a verdade é que está tudo bem com isso. Mas para quem busca “chitta vrtti nirodaha”, uma mente sem flutuações, é crucial seguir o conceito de abhyasa contido nos Yoga Sutras. O curioso é que embora ao início tenhamos de dedicar muita atenção e até fazer algum esforço para conquistarmos essa continuidade, se o fazemos de coração aberto, com plena confiança e devoção, se torna cada vez mais fácil, até que um dia se estabelece e instala. 
Vairagya, o desapego, está também presente nessa rotina de seis vezes por semana. Ao praticar a auto-observação todos os dias, se torna mais claro o que não nos faz bem, que hábitos e relações precisamos deixar ou transformar. Não por acaso, muitos praticantes deixam de comer carne ou de fumar ao longo do tempo, sem que sejam doutrinados para tal. Simplesmente, dentro de si, começam a sentir que é o certo fazer para viverem alinhados com o seu ser. 
Pausas
A tradição diz que não devemos praticar em dias de Lua Cheia ou Lua Nova nem nos três primeiros dias de menstruação. 
Os dias de Lua nos afetam muito, energeticamente, o que não é de admirar, se considerarmos a influência da Lua sobre as marés e a nossa constituição de 70% de água.  Quem não sentiu já a energia explosiva de uma noite de Lua cheia ou a tendência à introspeção na Lua Nova?  A Lua está também muito relacionada com a mente e como sabemos, quando a mente está perturbada temos mais probabilidade de nos magoarmos.  
As mulheres devem ainda se abster de praticar nos três primeiros dias de menstruação. Guruji recomendava ficar todos os dias sem praticar, até porque na Índia as mulheres não trabalham nem cozinham nesses dias. Isso pode nos chocar, já que parece uma desqualificação de uma cultura machista do nosso papel enquanto mulheres. Mas isso é se encararmos o período menstrual como uma inconveniência. No Ayurveda, assim como em muitas culturas indígenas ao redor do mundo, é visto como um momento de desintoxicação, sendo mais um privilégio do que um problema. Por isso, é importante honrar o ciclo menstrual, praticando ahimsa (não violência) também com nós mesmas, ao não desperdiçar energia que seria utilizada para esta função natural e ao não aquecer demasiado o corpo, que nesta época já tem um calor interno aumentado.
Quando praticamos, utilizando os Bandhas e focando na respiração, equilibramos a ação Apana Vayu (descendente) com Prana Vayu (ascendente). No período menstrual, Apana Vayu está e precisa estar mais ativo, especialmente nos três primeiros dias, por isso não é benéfico contradizer esse movimento descendente, que favorece a eliminação. Também por essa razão, nos restantes dias, não devemos realizar posturas invertidas. 
Estas pausas são um momento de praticar vairagya, o desapego. Mais uma vez, temos de nos render aos ritmos naturais da Lua e do nosso próprio corpo, aprendendo a descansar mesmo que seja muitas vezes contra nossa vontade. São pequenos exercícios mensais de desapego, que nos ensinam a deixar ir cada vez mais facilmente.
Precisamos reconhecer a sorte de ter um sistema que nos dá a oportunidade de nos conhecermos e transformarmos, com a segurança do conhecimento passado por gerações de sábios. Mas questionar está na natureza humana. A sugestão que fica é: ponha tudo isto á prova, se comprometa a seguir estas premissas por um longo tempo, deixe-se levar pelo ritmo, observe-se e escolha por si.  Talvez chegue á conclusão que nada disto faz sentido ou talvez chegue o dia em que as raízes de abhyasa e vairagya se transformem em asas. 
Texto: Olga Rodrigues
Fotos: Taeko

A Grande Noite de Shiva

A Grande Noite de Shiva 150 150 Kaka

MahaShivaratri


Todos os anos, na Lua Nova do mês hindu Phalgun (fevereiro-março) celebra-se  Maha Shivaratri, a grande noite de Shiva, que em 2014 acontece dia 27 de fevereiro.  É o momento de venerar o Deus Shiva, onde milhares de hindus cantam versos e hinos, meditam, adoram o Lingam e jejuam durante toda a noite, até a manhã do dia seguinte. É dito que aqueles que celebram esta data com devoção, realizando os rituais, limpam o seu Karma e se aproximam mais de Moksha, a liberação.
Shiva é o Deus da transformação, aquele que destrói o que precisa ser destruído, para dar espaço para a renovação e crescimento. Faz parte da Trindade hindu, em conjunto com Brahma (criação) e Visnhu (preservação). Por isso Shiva aparece como Nataraja, o deus da dança cósmica, que rege o ciclo de criação, preservação e destruição. Diz-se que esta dança, chamada de Tandava, começou neste dia. 
É também o Yogi primordial, aquele que passou esse conhecimento a Matsyendra, o Deus dos peixes, para que a humanidade pudesse aliviar  seu sofrimento.
A lenda conta que Shiva salvou o Universo do veneno Halahala.  Os Devas (Deuses) tinham sido derrotados pelos Asuras (demônios) e foram pedir ajuda a Vishnu. Este lhes recomendou se unirem aos Asuras para agitar o oceano em busca de amrita, o néctar da imortalidade. O Monte Mandara foi usado como bastão e Vasuki, o rei das serpentes, como corda.  Tanto agitaram o oceano que vários seres, bens e até a deusa Lakshmi emergiram. Por último, surgiu um pote de  Halahala, o veneno com poder para destruir toda a criação. Asuras e Devas procuraram por Shiva, pois ele era o único capaz de engolir aquele liquido tóxico. Por compaixão com todos os seres, Shiva assim o fez. Parvati, assustada, comprimiu seu pescoço para que o veneno não chegasse ao estômago, tendo ficado na garganta e mudado de cor para azul. Dessa forma, Shiva recebeu o nome de Nilakantha, aquele que tem a garganta azul. Por fim emergiu amrita, que Visnhu concedeu aos Devas, restabelecendo a paz. Muitas leituras podem ser feitas desta história, mas quem pratica Yoga com certeza já se sentiu agitado por seus deuses e demônios,  tendo que lidar com  halahala, o veneno das emoções tóxicas acumuladas, quando na verdade se procurava o amrita, o bem-estar e felicidade. Assim, Vasuki, o rei das serpentes, representa o Shushumna Nadi, o principal canal energético e o Monte Mandara o ego. Esta história nos lembra de que não devemos simplesmente expelir esse veneno, mas antes transformá-lo, tal como Shiva fez. Somente depois dessa transformação podemos usufruir de amrita.
Nesta data auspiciosa também se celebra a união de Shiva com Shakti. Por toda a Índia, mulheres participam das celebrações, orando por uma vida matrimonial harmoniosa ou por um marido com as qualidades de Shiva. Também aqui podemos interpretar de diversas formas, se pensarmos em Shiva como energia masculina, como consciência e Shakti como energia feminina, criadora, vemos que as duas se relacionam e impulsionam a transformação. E não falamos aqui de relação homem-mulher, mas da sinergia entre essas duas forças dentro de cada um de nós. Sem consciência, o poder de Shakti pode ser destruidor, sem a energia criadora, a consciência permanece imutável, inerte.
A Lua Nova por si já é um começo de um ciclo, um retorno a escuridão que tem o potencial criador. Quando abençoada com o poder de Shiva, como no Maha Shivaratri, torna-se um momento particularmente benéfico para a meditação e introspeção. Nestes dois dias, podemos honrar Shiva através de oferendas e cantos como o “Om Namah Shivaya”, ao mesmo tempo que  nos recolhemos e ganhamos forças para iniciar esse novo ciclo. 
Protegidos pela sabedoria de Shiva, este é momento de nos oferecermos a possibilidade de mudança e transformação, eliminando padrões e situações que não nos servem mais e que impedem nossa evolução.
Para saber mais sobre o Mahashivaratri http://www.mahashivratri.org:
Texto: Olga Rodrigues
Foto: Taeko

Yamas

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Ashtanga Yoga de Patanjali: Yamas
O Ashtanga Yoga é muitas vezes visto como uma prática exigente fisicamente e pouco espiritual, ou que quer que isso signifique. Afinal, a vida em si é espiritual e sagrada, em todos os seus aspetos e momentos, desde escovar os dentes até cantar um mantra. Mas enfim, a verdade é que de nada adianta subirmos no mat por 2 horas e executarmos posturas perfeitamente, se no resto do dia agimos sem consciência e sem intenção de tornarmos o mundo um lugar melhor. Não por acaso, o nome desse método é inspirado no Ashtanga Yoga de Patanjali.
Patanjali era um rishi (sábio) de que se sabe pouco, mas que se acredita que viveu alguns séculos a.C. e que escreveu os Yoga Sutras, um livro de aforismos sobre os princípios do Yoga e seus oito (asht) membros ou passos (angas). 
No sutra 1.2 Patanjali diz que Yoga é “citta vrtti nirodhah”, a cessação das flutuações da mente. Os Yoga Sutras são como um mapa que nos guia na direção de uma mente sem flutuações, que nos permita contemplar nosso verdadeiro Ser. Mas a viagem cabe a cada um fazer. Podemos ler e recolher toda a informação sobre um lugar, mas só saberemos como é exatamente quando chegarmos lá. Assim é com o Ashtanga Yoga e só poderemos compreender realmente cada anga quando o experienciamos. O 1% de teoria é valioso, mas é o 99% de prática que nos faz mover, avançar e evoluir. Sem dúvida, não é um caminho fácil, mas é recompensador.
Pattabhi Jois dizia que os quatro primeiros membros (yama, niyama, asana e pranayama) podem ser ensinados, mas os quatro finais (pratyahara, dharana, dhyana e samadhi) acontecem espontaneamente, quando se está preparado. Os yamas, o primeiro passo nesse caminho, são limites que precisamos ter nas nossas relações com o Universo para que estas sejam harmoniosas. São restrições a tendências que se tornam naturais quando vivemos num mundo individualista, mas não são mais do que regras universais da ética. São cinco:
Ahimsa: não-violência, o primeiro princípio e que governa os outros. É um voto de não causar intencionalmente dano a nenhum ser vivo, nem em ações nem em pensamento. Á medida que nos aprofundamos nesta prática, entendemos que requer muita compaixão e não-julgamento. É a principal razão pela qual muitos praticantes de Yoga não consomem carne. Mas atenção, não ser violento não significa ser passivo. O voto de Ahimsa nunca deve ser a causa de um dano maior no futuro. 
É importante que apliquemos esse princípio também a nós mesmos, respeitando e escutando nosso corpo. Algumas pessoas, em determinados momentos, abordam a prática com uma atitude competitiva, ignorando as dores que sentem e querendo chegar à perfeição do asana, custe o que custar. É aqui que surgem as lesões e frustrações. Se não está conseguindo chegar na postura que sempre desejou ou que conseguia antes, tudo bem: respire, relaxe e aproveite a viagem. Lembre-se que Ahimsa é sobretudo um voto de amor, mesmo que seja por si mesmo.
Satya: veracidade ou honestidade. Como praticantes de Yoga, é importante que nossas ações sejam coerentes com nossas palavras e que estas transmitam apenas a verdade. Isso torna a vida muito mais fácil: alguém que fala a verdade não precisa se preocupar com aquilo que falou anteriormente. Já quando alguém mente, precisa desperdiçar energia construindo a falsa realidade, prevendo e calculando o que vai dizer. 
Como todos os yamas, Satya é inseparável de Ahimsa: se algo é verdadeiro, mas desagradável, deve ser mantido em silêncio. Se a verdade vai machucar o outro, é preferível responder com um “sei mas não posso dizer” do que mentir.
A nível pessoal, não podemos esquecer-nos de ser verdadeiros conosco mesmos. Se nos propomos a algo, devemos fazer o possível para cumpri-lo. A honestidade faz com que estejamos mais conscientes, estabelecendo metas mais adequadas a nossa realidade e verdade pessoal.
Asteya: não-roubar ou não tirar algo que não nos foi oferecido. Não vale só para bens, mas também para tempo, energia, idéias e espaço de outras pessoas. Se durante a aula, um aluno aproveita para conversar alto sobre os seus próprios problemas, distraindo quem se tenta concentrar, isso é também se apropriar de algo que não é só seu. Também por esse princípio é importante honrarmos a tradição e o parampara. O conhecimento a que temos acesso hoje não nos pertence, foi passado por uma linhagem de sábios por séculos. Como tal, não podemos alterá-lo como nos convém ou achar que o possuímos.
Bramacharya: traduzido muitas vezes como castidade. Na sua essência significa mover-se em direção a Brahma. Na tradição védica, Bramacharya diz respeito aos primeiros 25 anos de vida, em que se estuda e se mantém casto para conservar energia para os estudos. Também pode ser interpretado como um voto de integridade e controle dos sentidos. Isso não quer dizer que não desfrutemos as sensações e emoções que a vida nos traz. Apenas que a busca pelo prazer não precisa ser nossa principal motivação. Como podemos atingir uma mente sem flutuações se nos deixamos distrair por qualquer estímulo sensorial? 
Sobre as relações amorosas ou sexuais, não precisamos tomar o celibato como meta, até porque isso desanima qualquer um. Se agirmos com amor e atenção, aplicando os outros yamas nestas relações, com certeza não só não desperdiçaremos energia como tornaremos a nossa vida mais rica.
Aparigraha: não-ganância. A ganância ou essa tendência de acumular mais do que precisamos só acontece quando nos identificamos com aquilo que não somos. Iludidos, acreditamos que é a roupa, o carro, o dinheiro no banco que nos vai fazer mais felizes, quando a felicidade já está dentro de nós. Perdidos nessa busca constante, nos esquecemos que todas essas possessões são temporárias e se irão. 
Assim é com o corpo, uma das coisas do mundo com que mais nos identificamos. Parigraha (ganância) é também olhar para o lado e querer fazer o que o outro faz, chegar mais longe na série, acumular posturas, mesmo que isso signifique perder bandhas e respiração, mesmo que nos lesionemos. 
Estar firmemente estabelecido em qualquer um dos yamas é extremamente complexo, mas fundamental para alcançar uma mente sem vrttis. E isso implica colocar a luz sobre cada ação e pensamento, mesmo aqueles que preferíamos ignorar. Uma palavra rude, uma mentirinha, um troco errado mas vantajoso para nós podem parecer inofensivos mas na verdade, contaminam nossas relações com o mundo. Cada vez que permitimos que uma semente de uma atitude como a violência germine, uma planta crescerá daí e mais tarde ou mais cedo colheremos seu fruto amargo. 
Mas no sutra 2.33 Patanjali nos dá uma estratégia para consolidarmos os yamas: pratipaksa-bhavana. Sempre que pensamentos negativos surgirem dentro de nós, incitando-nos a romper com os yamas, podemos trazer a nossa mente pensamentos opostos. Se alguém nos irrita e sentimos que vamos reagir com raiva e acabar por falar algo de que nos arrependeremos mais tarde, podemos pensar nas qualidades positivas da pessoa ou situação. Também pode ser entendido como ver o outro lado da questão ou se colocar no lugar do outro. É um exercício que requer persistência, mas que com o tempo, se torna um aliado poderoso.
Os yamas são mais do que mandamentos ou códigos rígidos de como nos devemos comportar. São como sinais que mostram que direções tomar. Ninguém pode fugir do Dharma. Quando sacrificamos valores dharmicos para ter mais poder, dinheiro ou prazer, não conseguimos ficar tranqüilos. 

A verdade é que os yamas só são difíceis de cumprir porque fazemos uma separação errada entre nós e o mundo. Se o outro é Ishvara, o Ser Supremo, tal como eu, que ganho em magoá-lo ou mentir-lhe? De que me serve acumular ou roubar bens se são apenas uma parte do Universo como eu? Estabelecer-se e compreender realmente cada yama é uma prática completa em si mesma, imprescindível no nosso caminho até o samadhi.                                                                                                                                              

Texto: Olga Rodrigues

Foto: Taeko                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

Guruji

Guruji 150 150 Kaka

Vande Gurunam charanaravinde
Sandarshita svatmasukhavabodhe
[Eu me curvo aos pés de lótus do Guru
Que me desperta para a felicidade da revelação do Ser]

Sri Krishna Pattabhi Jois, ou Guruji, como era afetuosamente chamado pelos seus alunos, nasceu num dia de lua cheia, a 26 de julho de 1915, na pequena cidade de Kowshika. Seu pai era sacerdote, astrólogo e dono de terras, sua mãe cuidava da casa e da família com nove crianças. Como todos os meninos da linhagem Brahmin, foi iniciado pelo pai ao estudo dos Vedas, sânscrito e rituais com cinco anos.
Em 1927, assistiu pela primeira vez a uma demonstração de Yoga, por T.S. Krishnamacharya, que o impressionou. Na Gita, Krishna diz que aquele que chega ao Yoga nessa vida já o praticou numa vida anterior, sendo atraído mesmo contra sua vontade. Assim aconteceu com Pattabhi Jois, que com apenas 12 anos, acordou no dia seguinte e se dirigiu a casa do yogi, pedindo para ser instruído por ele. Durante dois anos, acordou mais cedo cada manhã, caminhando por kilometros para praticar antes de ir a escola. Tudo isso sem que sua família soubesse, principalmente porque o Yoga era visto como uma prática esotérica para sadhus ou sannyasins (renunciantes). 
Depois da sua cerimônia iniciática como Brahmin, pegou o trem para Mysore. Com 14 anos e duas rupias no bolso, dirigiu-se a Faculdade de Sânscrito para estudar Vedas e Vedanta. Três anos depois escreveu para seu pai, contando seu paradeiro. Mais tarde, se tornou um professor de Advaita Vedanta, cargo que só deixou em 1973 para se dedicar totalmente ao seu shala.
O seu caminho voltou a se cruzar com o de Krishnamacharya, em 1931, quando assistiu a uma demonstração de Yoga na Faculdade de Sânscrito. Feliz de reencontrar seu guru, se curvou aos seus pés e assim se retomou a relação professor-aluno, que duraria 25 anos. 
Nessa mesma época, o Maharaja de Mysore mandou chamar Krishnamacharya para o que o curasse, já que nenhum outro médico tinha conseguido. Através de Yoga, alimentação e ervas medicinais, Krishnamacharya conseguiu que o Marahaja recuperasse sua saúde. Como agradecimento, esse construiu um shala no próprio palácio e patrocinou diversas viagens de Krishnamacharya e seus alunos (entre eles Pattabhi Jois) por toda a Índia, para divulgar e estudar mais sobre Yoga. 
O Maharaja lhe pediu que ensinasse Yoga na Faculdade de Sânscrito, onde começou em março de 1937. Pattabhi Jois contava que seu certificado de professor foi dado por Krishnamacharya quando este lhe entregou um homem doente, dizendo: “Cure-o”.
Por essa altura, uma menina de 14 anos foi sua aluna: Savitramma, que depois de ver Pattabhi Jois praticando disse ao pai que queria aquele homem como marido. O astrólogo contratado pela família informou que os dois não eram compatíveis, mas Amma era determinada e acabaram por se casar. Em Mysore criaram três filhos: Manju, Saraswathi e Ramesh. Amma, amada por todos os alunos de Guruji por seu espírito alegre e caloroso, foi também uma ótima aluna de sânscrito e Yoga, tendo chegado a fazer asanas avançados. 
Ramesh faleceu em 1973, mas tanto Manju como Saraswathi se tornaram professores de Yoga, assim como os filhos de Saraswathi: Sharath e Sharmila. Amma veio a falecer em 1997, o que abalou profundamente Guruji.
Em 1948, Pattabhi Jois fundou na sua própria casa o Ashtanga Yoga Research Institute (Instituto de Pesquisa de Ashtanga Yoga), onde pretendia experimentar os métodos terapêuticos ensinados por Krishnamacharya. Nesse primeiro Shala, havia espaço para somente 12 alunos, na época indianos que chegavam muitas vezes por indicação médica, com doenças como diabetes, asma ou hanseníase.
Cerca de 1960 veio o primeiro ocidental, Andre Van Lysbeth, um belga, que permaneceu por dois meses aprendendo os asanas da primeira e segunda série. Voltando a Europa, escreveu um livro intitulado Pranayama, onde figurava uma fotografia com Pattabhi Jois. 
Em 1973, David Williams, Nancy Gilgoff e Norman Allen chegaram para estudar com Guruji, depois de terem ficado deslumbrados com uma demonstração de Manju Jois, no ashram de Swami Gitananda, em Pondicherry. 
A primeira viagem de Pattabhi Jois ao Ocidente foi a São Paulo, em 1974, para dar uma palestra sobre sânscrito. Em 1975, foi pela primeira vez aos Estados Unidos, levado por um grupo de alunos de David Williams e Nancy Gilgoff. Durante os 30 anos seguintes, realizou várias dessas viagens, difundindo o Yoga no Ocidente. Seu inglês era muito limitado, mas na sua língua materna, o Kannada, discursava sobre filosofia védica e recitava textos em sânscrito como os Yoga Sutras com prazer. Ao mesmo tempo, sorria ao observar a busca espiritual insaciável dos seus alunos ocidentais, respondendo muitas vezes com sua conhecida frase “Yoga é 99% prática e 1% teoria”. 
Como principal texto sobre Ashtanga Yoga, escreveu o livro Yoga Mala, em 1962. O seu legado, porém é bem mais abrangente que isso: foi construído dia a dia, nos setenta anos que ensinou, ajustou e trabalhou com cada um de seus alunos, sempre com uma enorme dedicação e fé no método aprendido de Krishnamacharya. Com 70 anos, dava mais de 8 horas de aula por dia, sete dias por semana, um autêntico exemplo de energia e vigor. 
Com os anos, mais e mais ocidentais foram chegando, aumentando tanto o número de alunos por dia que a família construiu um Shala maior, em Gokulam, um bairro de Mysore, em 2002. 
Em 2007, Guruji ficou doente e começou a dar menos aulas, se aposentando no ano seguinte e deixando o Shala nas mãos de Saraswathi e Sharath.
No dia 18 de maio de 2009, com 93 anos, Guruji faleceu, na sua casa em Mysore, deixando um vazio gigante na comunidade mundial de Yoga. Aqueles que o conheceram definem-no como um homem sábio e simples, tão rígido quanto amoroso, com um grande amor pela família, uma enorme paixão por ensinar e eterno respeito pelo paramparam. Hoje e para sempre, seus ensinamentos continuarão a inspirar centenas de pessoas a transformar suas vidas.
Resta-nos agradecer termos sido tocados pela sua energia, direta ou indiretamente. A sua memória é mantida cada vez que um de nós sobe no tapetinho, apesar de qualquer coisa, se entrega e respira, suas palavras ressoando dentro de nós: “Do your practice and all is coming” (“Faça a sua prática e tudo chegará”).
Fonte:
Sri  K. Pattabhi Jois. Yoga Mala. 4th Edition. North Point Press: New York, 2010.
Guy Donahue, Eddie Stern. Guruji: a portrait of Sr. K. Pattabhi Jois through the eyes of his students. 1st Edition. North Point Press: New York, 2010.
Texto: Olga Rodrigues
Foto: Taeko

Solstício de Verão – Novo Ciclo

Solstício de Verão – Novo Ciclo 150 150 Kaka

O Ashtanga Yoga é uma prática poderosa, que nos faz sintonizar com a Natureza. Acordamos antes de o Sol nascer e o saudamos com Surya Namaskar, sentimos o poder da Lua Cheia em nós, nos enraizamos na Terra nos asanas de equilíbrio e absorvemos Prana a cada respiração. Subitamente, compreendemos nosso papel na eterna dança do Universo, experienciando como essas energias se alternam e transmutam, ciclos se abrindo e fechando continuamente.
O solstício de Verão marca o início de um desses ciclos e no hemisfério Sul acontece a 21 de dezembro. É o dia mais longo do ano, aquele em que essa parte do planeta está mais alinhada com os raios do Sol. Na cultura védica é considerado um dia auspicioso, já que o Sol é reverenciado como fonte de Luz, Prana, sabedoria e vitalidade. Sendo o dia que essa energia de luz está mais presente, é ideal para realizar sadhana (prática espiritual) e meditar na energia de Surya.
Na mesma época chegamos ao final de mais um ano. É o momento de contemplar as flores que cultivamos e nos despedirmos das ervas daninhas que cortamos. Relembramos os risos, as lágrimas, as metas alcançadas, as surpresas do destino. E como esquecer aqueles dias em que voamos no tapetinho, o Prana fluindo e nutrindo todo o nosso ser, uma sensação de plenitude e gratidão assomando a cada asana? 
É também o tempo de renovarmos propósitos e intenções, de plantarmos as sementes do que virá. Afinal, a cada nascer do Sol, a cada inspiração, solstício ou equinócio, há um novo ciclo que se inicia, uma oportunidade de retomar a caminhada até a nossa verdadeira essência.

Texto: Olga Rodrigues
Foto: Taeko

Carta aberta aos estudantes de ashtanga yoga

Carta aberta aos estudantes de ashtanga yoga 150 150 Kaka
Por David Williams
Toda vez que eu viajo para diferentes partes do mundo ensinando Yoga, sempre me vêm à mente certos conceitos fundamentais sobre como ensinar e praticar Ashtanga Yoga, baseados em estudo e observação pessoais e nos meus 32 anos de prática ininterrupta. Penso serem importantes o suficiente para querer compartilhá-los com todos.
Primeiro, o mais importante de tudo – e espero que você possa aprender isso na sua prática: “Se dói, você está fazendo errado”. Ao longo dos anos, tenho visto gente demais se machucando e machucando outros. A prática de Yoga pode ser (e deveria ser) prazerosa do início ao fim. O que importa de fato é mulabandha e uma respiração profunda e completa. Com isso e por meio da prática diária, a obtenção de mais flexibilidade é inevitável.
Aprendi a partir da minha própria prática e observação que forçar as limitações que você tem em determinado momento para conseguir entrar em uma postura pode fazer com que você se machuque, e a consequência, no mínimo, será a necessidade de parar para que a lesão se recupere e então retomar a prática. Tal sequência de eventos não é apenas desagradável, mas contrária à minha convicção de que, por meio de uma prática lenta, estável e diária, pode-se conquistar uma flexibilidade ainda maior – resultado da ação de nosso próprio calor interno, que nos faz relaxar nas posturas, em vez de forçar-nos nelas. Percebi que esse método mais lento, além de ser mais saudável e permitir o desenvolvimento de uma flexibilidade maior, faz com que ela seja de natureza mais duradoura do que a flexibilidade obtida quando se força uma postura. Infelizmente, como muitos acabam descobrindo, forçar nossas limitações pode trazer como resultado atividades reduzidas ou limitadas durante a recuperação. Esse ciclo pode produzir associações desagradáveis com a prática, em vez das experiências agradáveis que eu procuro apresentar e que me parecem ser necessárias para quem quer uma prática para toda a vida.
Penso ser importante mostrar às pessoas como elas podem fazer das séries do Ashtanga Yoga não só uma prática para toda a vida como também uma experiência absolutamente prazerosa. Imagino que, quando você viu a prática pela primeira vez, deve ter dito para você mesmo: “Se eu conseguir fazer isso, vai ser o máximo!”. Pois aí está: você já observou bastante a prática e quer continuar com ela. A chave então é se tornar apto a praticar Yoga pelo resto da sua vida. Depois de mais de 30 anos observando milhares de pessoas praticando Yoga, percebi que os que perduram são aqueles que sabem como tornar a prática algo de que possam desfrutar. Eles pensam na sua prática diária de tal maneira que nada pode impedi-los de achar um tempo para fazê-la. Ela se torna uma das partes mais prazerosas do seu dia. Os outros, consciente, subconsciente ou inconscientemente, desistem de praticar. E o meu objetivo, toda vez que encontro e dou aulas a novos alunos, é fazer tudo o que estiver ao meu alcance para inspirá-los a construir e estabelecer sua prática de Yoga não apenas durante os poucos dias em que estamos juntos, mas para o resto de suas vidas.
Em segundo lugar, espero que você possa entender que o principal objetivo do Yoga não é aumentar a flexibilidade ou a força. Uma maior flexibilidade e força são simplesmente resultados e benefícios naturais da prática diária. E, embora flexibilidade e força sejam benefícios importantes e visíveis do Yoga, acredito que a principal finalidade da prática do Yoga é a auto-realização e a capacidade de manter-se a si mesmo em equilíbrio e saudável todos os dias. A saúde é o seu maior bem. O DNA do corpo sabe o que é bom e saudável para o organismo; tudo o que ele precisa é de energia. A prática energizante e rejuvenescedora do Yoga pode ser a fonte.
Por último, vez ou outra me perguntam se alguém é “bom no Yoga”. Eu prontamente respondo que o melhor Yogin não é o mais flexível, mas o que está mais focado naquilo que ele ou ela estão fazendo e o que mais intensamente consegue realizar mulabandha e uma respiração profunda. É com certa tristeza que vejo pessoas “competindo na prática de Yoga” e também os que acabam desencorajados quando percebem tal competição e pensam que jamais serão capazes de fazer a sua prática com a flexibilidade e a destreza dos que estão mais avançados nas séries. O maior Yogin é o que consegue aproveitar a sua prática de Yoga ao máximo, e não aquele que é capaz de dar um nó cada vez mais complicado em si mesmo. Estou convicto de que, na prática dessa meditação em movimento que é o Ashtanga Yoga, o que realmente importa é o que está invisível ao observador, ou seja, aquilo que se passa dentro do praticante.
Eu acredito no Yoga. Acredito que qualquer um que queira pode praticar o Ashtanga, mesmo que com modificações que ajustem a prática à sua pessoa, de maneira que seja de fato prazerosa. Faz anos que costumo repetir: “Se alguém me diz: ‘Você tem 15 minutos, uma hora, etc., para fazer alguma coisa boa para você mesmo, então vá pescar, andar de bicicleta ou qualquer coisa assim’, eu começo imediatamente a fazer as Saudações ao Sol do Ashtanga Yoga e a Primeira Série”. Se alguém conseguir me mostrar algo melhor, estou pronto a aprender. Em meus 30 anos de busca, estudei cinco ou seis sistemas de prática do Yoga. E, para mim, não conheço nenhum programa de aptidão física, mental e emocional que seja melhor que o sistema do Ashtanga Yoga. Espero que você possa sentir o mesmo.
Seu no Yoga,
David Williams
*David Williams pratica Yoga desde 1971 e Ashtanga Vinyasa Yoga desde 1973, quando se tornou o primeiro não-indiano a aprender o sistema completo de asana e pranayama diretamente de Sri K. Pattabhi Jois em Mysore, Índia.
Tradução: Fábio Furtado

A liberdade que eu procuro

A liberdade que eu procuro 150 150 Kaka

… É o yoga sobre a liberdade ou não é? Muitas pessoas colocaram a carroça na frente dos bois. Eles confundem o objetivo do yoga, que é a libertação da alma da escravidão do renascimento e do sofrimento, por meio da união com o Divino… o que implica uma vida (ou muitas vidas) da disciplina. Patanjali expressa isso no Sutra 1.14: “sa tu dirgha-kala-nairantarya-satkarasevito drdha-bhumih”, que significa “A prática se torna firmemente estabelecida, quando for cultivada ininterruptamente e com devoção durante um período prolongado de tempo.”

Nada fácil, especialmente quando se considera a possibilidade de que o período de tempo prolongado pode transbordar a partir desta vida para outra, e talvez ainda mais vidas depois disso.


Para o sucesso no yoga deve-se submeter à disciplina da prática, a um professor e, finalmente, a si mesmo. Isso não precisa ser tão sombrio como pode parecer à primeira vista… você estará livremente optando atravessar por lesões, dúvidas, tédio e todos os outros obstáculos que todo praticante de yoga, sem exceção, tem de enfrentar.

E na outra extremidade deste trabalho, esta disciplina e esta submissão é a liberdade. Lembre-se que Guruji disse “nesta vida temos a chance de ver Deus. Mesmo que nem todos consigam ver a Deus, podemos ter a paz de espírito de ter vivido uma vida tão livre quanto possível da violência, doença, stress e, em suma, o sofrimento.” Esta é a liberdade que eu procuro.

por Patrick Nolan





Segue o texto original

Yoga: Freedom through Submission

by Patrick Nolan


Yoga has long been associated with artists and celebrities and this has been a mixed blessing. As far back as the 1950’s poets and intellectuals such as Allen Ginsberg made the expansion of consciousness a priority and ignited an interest in Eastern spirituality. In 1968 the Beatles catapulted yoga and meditation into mainstream awareness when they went to Rishikesh to study TM, or transcendental meditation, with Maharishi Mahesh Yogi. Subsequent generations of artists and celebrities, from Martin Sheen and Jeff Bridges in the 70’s to Sting and filmmaker David Lynch in the 80’s, to Madonna, the Beastie Boys, and Russel Simmons in the 90’s, have very publicly embraced yoga and Indian spirtiuality. So, how has this been a mixed blessing? On one hand I think it quite likely that had the Beatles not gone to India, neither would Norman Allen, David Williams, or Nancy Gilgoff (who were the first Americans to study with the main teacher of the Ashtanga Yoga method, Sri K. Pattabhi Jois) have gone. Known as Guruji to his students, Sri K. Pattabhi Jois’s message would have come to us by some other means or through other people, or maybe not at all. I, for one, am exceedingly grateful they did go as Ashtanga yoga has been extraordinarily beneficial to my life. On the other hand I also see that yoga has unfortunately been perceived as a sort of individualistic counter-cultural pursuit. The image of the Beatles, the quintessential trail-blazing iconoclastic rock band of the 60’s bedecked with marigold malas and sitting at the Maharishi’s feet is burned into our collective mental retinas. Furthermore, to this day depictions of psychadelic drug experiences in films are typically scored with sitar music


Why would an individualistic attitude or approach toward yoga practice not necessarily sit well with practitioners and teachers who strive to be more traditional and authentic? I mean, is yoga about freedom or isn’t it? Put succinctly, many people put the cart before the horse. They confuse the goal of yoga, i.e., the liberation of the soul from the bondage of re-birth and suffering by means of union with the Divine, with the process of yoga, which entails a lifetime (or many lifetimes) of discipline. Patanjali expresses this explicitly in Sutra 1.14: “sa tu dirgha-kala-nairantarya-satkarasevito drdha-bhumih,” which means “Practice becomes firmly established when it has been cultivated uninterruptedly and with devotion over a prolonged period of time.” Heavy stuff, especially when one considers the possibility that the prolonged period of time may spill over from this life to the next, and perhaps even more lives after that.


So when it comes down to it, the only way out is straight through. For success in yoga one must submit to the discipline of the practice, to a teacher and ultimately to one’s Self. This doesn’t have to be as gloomy as it may seem at first. As any fetishist will tell you, the person who submits is the one with the power. Choosing to submit is a free choice. So is choosing to stick with it through injuries, self-doubt, boredom and all the other obstacles that every single yoga practitioner without exception will face. It doesn’t have to be mirthless, but it is serious business. Ashtangis are sometimes accused of “taking themselves too seriously.” Before I committed to this lineage I used to level that accusation myself . But no, we are merely serious about spiritual practice, which is not a bad thing. And at the other end of this work, this discipline and this submission is freedom. Remember Guruji said that in this life we have a chance to see God. Even if not all of us get to see God, we can have the peace of mind from having lived a life as free as possible from violence, disease, stress and in short, suffering. This is the freedom I seek.