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Yamas

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Ashtanga Yoga de Patanjali: Yamas
O Ashtanga Yoga é muitas vezes visto como uma prática exigente fisicamente e pouco espiritual, ou que quer que isso signifique. Afinal, a vida em si é espiritual e sagrada, em todos os seus aspetos e momentos, desde escovar os dentes até cantar um mantra. Mas enfim, a verdade é que de nada adianta subirmos no mat por 2 horas e executarmos posturas perfeitamente, se no resto do dia agimos sem consciência e sem intenção de tornarmos o mundo um lugar melhor. Não por acaso, o nome desse método é inspirado no Ashtanga Yoga de Patanjali.
Patanjali era um rishi (sábio) de que se sabe pouco, mas que se acredita que viveu alguns séculos a.C. e que escreveu os Yoga Sutras, um livro de aforismos sobre os princípios do Yoga e seus oito (asht) membros ou passos (angas). 
No sutra 1.2 Patanjali diz que Yoga é “citta vrtti nirodhah”, a cessação das flutuações da mente. Os Yoga Sutras são como um mapa que nos guia na direção de uma mente sem flutuações, que nos permita contemplar nosso verdadeiro Ser. Mas a viagem cabe a cada um fazer. Podemos ler e recolher toda a informação sobre um lugar, mas só saberemos como é exatamente quando chegarmos lá. Assim é com o Ashtanga Yoga e só poderemos compreender realmente cada anga quando o experienciamos. O 1% de teoria é valioso, mas é o 99% de prática que nos faz mover, avançar e evoluir. Sem dúvida, não é um caminho fácil, mas é recompensador.
Pattabhi Jois dizia que os quatro primeiros membros (yama, niyama, asana e pranayama) podem ser ensinados, mas os quatro finais (pratyahara, dharana, dhyana e samadhi) acontecem espontaneamente, quando se está preparado. Os yamas, o primeiro passo nesse caminho, são limites que precisamos ter nas nossas relações com o Universo para que estas sejam harmoniosas. São restrições a tendências que se tornam naturais quando vivemos num mundo individualista, mas não são mais do que regras universais da ética. São cinco:
Ahimsa: não-violência, o primeiro princípio e que governa os outros. É um voto de não causar intencionalmente dano a nenhum ser vivo, nem em ações nem em pensamento. Á medida que nos aprofundamos nesta prática, entendemos que requer muita compaixão e não-julgamento. É a principal razão pela qual muitos praticantes de Yoga não consomem carne. Mas atenção, não ser violento não significa ser passivo. O voto de Ahimsa nunca deve ser a causa de um dano maior no futuro. 
É importante que apliquemos esse princípio também a nós mesmos, respeitando e escutando nosso corpo. Algumas pessoas, em determinados momentos, abordam a prática com uma atitude competitiva, ignorando as dores que sentem e querendo chegar à perfeição do asana, custe o que custar. É aqui que surgem as lesões e frustrações. Se não está conseguindo chegar na postura que sempre desejou ou que conseguia antes, tudo bem: respire, relaxe e aproveite a viagem. Lembre-se que Ahimsa é sobretudo um voto de amor, mesmo que seja por si mesmo.
Satya: veracidade ou honestidade. Como praticantes de Yoga, é importante que nossas ações sejam coerentes com nossas palavras e que estas transmitam apenas a verdade. Isso torna a vida muito mais fácil: alguém que fala a verdade não precisa se preocupar com aquilo que falou anteriormente. Já quando alguém mente, precisa desperdiçar energia construindo a falsa realidade, prevendo e calculando o que vai dizer. 
Como todos os yamas, Satya é inseparável de Ahimsa: se algo é verdadeiro, mas desagradável, deve ser mantido em silêncio. Se a verdade vai machucar o outro, é preferível responder com um “sei mas não posso dizer” do que mentir.
A nível pessoal, não podemos esquecer-nos de ser verdadeiros conosco mesmos. Se nos propomos a algo, devemos fazer o possível para cumpri-lo. A honestidade faz com que estejamos mais conscientes, estabelecendo metas mais adequadas a nossa realidade e verdade pessoal.
Asteya: não-roubar ou não tirar algo que não nos foi oferecido. Não vale só para bens, mas também para tempo, energia, idéias e espaço de outras pessoas. Se durante a aula, um aluno aproveita para conversar alto sobre os seus próprios problemas, distraindo quem se tenta concentrar, isso é também se apropriar de algo que não é só seu. Também por esse princípio é importante honrarmos a tradição e o parampara. O conhecimento a que temos acesso hoje não nos pertence, foi passado por uma linhagem de sábios por séculos. Como tal, não podemos alterá-lo como nos convém ou achar que o possuímos.
Bramacharya: traduzido muitas vezes como castidade. Na sua essência significa mover-se em direção a Brahma. Na tradição védica, Bramacharya diz respeito aos primeiros 25 anos de vida, em que se estuda e se mantém casto para conservar energia para os estudos. Também pode ser interpretado como um voto de integridade e controle dos sentidos. Isso não quer dizer que não desfrutemos as sensações e emoções que a vida nos traz. Apenas que a busca pelo prazer não precisa ser nossa principal motivação. Como podemos atingir uma mente sem flutuações se nos deixamos distrair por qualquer estímulo sensorial? 
Sobre as relações amorosas ou sexuais, não precisamos tomar o celibato como meta, até porque isso desanima qualquer um. Se agirmos com amor e atenção, aplicando os outros yamas nestas relações, com certeza não só não desperdiçaremos energia como tornaremos a nossa vida mais rica.
Aparigraha: não-ganância. A ganância ou essa tendência de acumular mais do que precisamos só acontece quando nos identificamos com aquilo que não somos. Iludidos, acreditamos que é a roupa, o carro, o dinheiro no banco que nos vai fazer mais felizes, quando a felicidade já está dentro de nós. Perdidos nessa busca constante, nos esquecemos que todas essas possessões são temporárias e se irão. 
Assim é com o corpo, uma das coisas do mundo com que mais nos identificamos. Parigraha (ganância) é também olhar para o lado e querer fazer o que o outro faz, chegar mais longe na série, acumular posturas, mesmo que isso signifique perder bandhas e respiração, mesmo que nos lesionemos. 
Estar firmemente estabelecido em qualquer um dos yamas é extremamente complexo, mas fundamental para alcançar uma mente sem vrttis. E isso implica colocar a luz sobre cada ação e pensamento, mesmo aqueles que preferíamos ignorar. Uma palavra rude, uma mentirinha, um troco errado mas vantajoso para nós podem parecer inofensivos mas na verdade, contaminam nossas relações com o mundo. Cada vez que permitimos que uma semente de uma atitude como a violência germine, uma planta crescerá daí e mais tarde ou mais cedo colheremos seu fruto amargo. 
Mas no sutra 2.33 Patanjali nos dá uma estratégia para consolidarmos os yamas: pratipaksa-bhavana. Sempre que pensamentos negativos surgirem dentro de nós, incitando-nos a romper com os yamas, podemos trazer a nossa mente pensamentos opostos. Se alguém nos irrita e sentimos que vamos reagir com raiva e acabar por falar algo de que nos arrependeremos mais tarde, podemos pensar nas qualidades positivas da pessoa ou situação. Também pode ser entendido como ver o outro lado da questão ou se colocar no lugar do outro. É um exercício que requer persistência, mas que com o tempo, se torna um aliado poderoso.
Os yamas são mais do que mandamentos ou códigos rígidos de como nos devemos comportar. São como sinais que mostram que direções tomar. Ninguém pode fugir do Dharma. Quando sacrificamos valores dharmicos para ter mais poder, dinheiro ou prazer, não conseguimos ficar tranqüilos. 

A verdade é que os yamas só são difíceis de cumprir porque fazemos uma separação errada entre nós e o mundo. Se o outro é Ishvara, o Ser Supremo, tal como eu, que ganho em magoá-lo ou mentir-lhe? De que me serve acumular ou roubar bens se são apenas uma parte do Universo como eu? Estabelecer-se e compreender realmente cada yama é uma prática completa em si mesma, imprescindível no nosso caminho até o samadhi.                                                                                                                                              

Texto: Olga Rodrigues

Foto: Taeko