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Asana

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Ashtanga Yoga: Asana
Quando no mundo ocidental se fala de Yoga, a maior parte das vezes, se fala de uma prática de Asanas. As diferentes posturas, que tantos nos atraem por transparecerem ao mesmo tempo força e delicadeza, são muitas vezes a porta de entrada para o mundo que é o Yoga.  Mas nos Yoga Sutras, Patanjali refere-as como o terceiro dos oito angas, depois de Yamas e Niyamas. E o que é talvez mais surpreendente para quem sempre viu Yoga como um monte de posturas seguidas de uns minutos de meditação, é que em 196 sutras, apenas três são dedicados aos Asanas. Não por isso, deixa de ser uma peça fundamental do Yoga e mesmo em poucas palavras, Patanjali consegue colocar muita sabedoria sobre o tema.
 Os três sutras são:
2.46. STHIRA SUKHAM ASANAM. Asana é uma postura estável e confortável.
2.47. PRAYATNA SAITHILYANANTA SAMAPATTIBHYAM. Alcança-se a perfeição do asana quando o esforço por realizá-lo se torna não-esforço e se alcança o ser infinito interior.
2.48. TATO DVANDVANANABHIGATAH. Consequente, o praticante jamais é perturbado pelas dualidades.
Um dos objetivos de permanecermos em uma postura estável e confortável é facilitar os próximos estágios do Yoga, como Pranayama, Pratyahara (recolhimento dos sentidos), Dharana (concentração) e Dhyana (meditação). Fácil, não? Basta sentar, isso parece bastante agradável. O desafio começa quando tentamos sustentar uma postura por um tempo mais prolongado que alguns minutos e acalmar a mente. Mesmo de pernas simplesmente cruzadas, logo vamos sentindo uma dor aqui, um desconforto ali e começamos a precisar urgentemente de nos mexer. Isso mostra como nosso corpo está pouco apto para sustentar uma mesma postura por um longo período de tempo. Outra coisa não seria de esperar, se pensarmos nos hábitos errados que desenvolvemos ao longo da vida. Sentamos em cadeiras, levamos uma vida sedentária mas estressada, comemos alimentos processados e sem energia vital, adquirimos vícios difíceis de deixar. Até que um dia, entramos numa aula de Yoga e nos damos conta de como nosso corpo está duro, pesado ou fraco. Lembramos-nos daquelas coisas que fazíamos em criança, sem esforço nenhum, como tocar nos pés com as mãos ou a ponte, e não entendemos o que aconteceu para se ter tornado tão difícil. Á medida que vamos praticando e purificando nosso corpo, vamos também refinando nossa consciência do que nos faz mal e abandonando naturalmente esses hábitos. Mas mesmo assim, precisamos contar com anos de toxinas acumuladas, assim como bloqueios físicos e energéticos. Por isso, cada dia, esquentamos, torcemos, alongamos e dobramos nosso corpo, de forma a torná-lo mais leve e forte. 
Mas mesmo assim, o asana no sentido dado por Patanjali, aquela postura ao mesmo tempo estável e confortável, continua a ser difícil de atingir. Como conseguir então essa estabilidade e conforto? Não por acaso, repetimos todos os dias a mesma série. Os asanas, mesmo aqueles que ao início nos assustavam, vão se tornando amigos íntimos, com que nos relacionamos nas nossas melhores e piores horas. E um amigo verdadeiro, que nos conhece realmente, pode não ser fácil de conseguir, mas é aquele com quem estaremos mais á vontade. Por isso, algumas vezes, chegamos a ter tal relação com as posturas que, por instantes, sentimos que poderíamos ficar ali horas, a mente vazia e limpa, espelhando o infinito. Mais do que uma mera sensação de bem-estar, é um vislumbre do Absoluto, em que estamos tão perto de nós mesmos que nada nos pode perturbar. Talvez essa seja uma das coisas que mais nos atrai na prática de asanas, que nos faz voltar apesar dos contratempos: uma semente permanece durante o resto do dia, a noção de que a felicidade está logo ali, dentro de nós, se apenas tivermos a capacidade de relaxar.
No Sutra 47, Patanjali diz que para conseguir chegar a essa qualidade do asana é necessário fazer um esforço sem esforço, o que em si mesmo parece um paradoxo. Mas é precisamente esse ideal de trabalhar nosso corpo e mente, sem forçar, que nos levará ao Asana firme e confortável e em última instância, a ter esses momentos de completa absorção pelo presente. Bandhas, Dhristi e Vinyasa são pontos chave, que vamos desenvolvendo com o tempo e que ajudam a tornar nossa prática leve e fluida. Quando queremos atingir uma postura sem consciência desses três aspetos, apenas vamos forçar o corpo a chegar a um ideal para o qual pode não estar preparando, resultando em lesões ou frustração.
Vinyasa é a união de movimento e respiração, o pilar que sustenta a prática, aquilo que deve ser nossa prioridade acima de tudo. Nenhum corpo abrirá sem uma respiração plena, sem Prana entrando. Respiramos profundamente e nossos tecidos recebem mais oxigênio, os nadis (canais energéticos) se purificam. Se travarmos a respiração precisamente quando a postura fica complicada, nosso corpo tensiona e entra no modo desesperado, em que a última coisa que vai fazer vai ser abrir.  Unir respiração ao movimento, se feito de forma adequada, faz-nos fluir, levando-nos a um estado meditativo. Depois do corpo cheio de Prana, é preciso mantê-lo dentro de nós.  Essa é uma função dos Bandhas. Com estes nós energéticos evitando que a energia se esvaia, a coluna fica sustentada e o Sushumna Nadi (o canal energético principal do corpo) livre, os movimentos se tornam mais fáceis e leves.  Os Dhristis, os pontos para onde dirigimos o olhar, equilibram a tendência natural dos sentidos de procurar uma distração. Assim, nos ajudam a concentrar, dando-nos espaço para entendermos o que realmente acontece com nosso corpo, naquele momento. Se nosso olhar passeia pela sala, nossa mente logo se encherá de informações que darão origem a milhões de pensamentos borbulhantes, que nos distrairão daquele que deveria ser nosso foco. Com o Vinyasa nos guiando, os Bandhas segurando nossa energia vital e o Dristhi recolhendo nossos sentidos, a prática se torna, sem dúvida, mais simples e sem esforço, permitindo-nos relaxar, alcançar e prolongar esses momentos de contemplação do infinito.
Por outro lado, também os outros Angas nos ajudam a desenvolver essa prática mais fluida. Yamas e Niyamas nos ensinam a tratar nosso corpo e mente com amor, a ser verdadeiros com nós mesmos, a aceitar o momento presente tal como é e a nos entregarmos a cada prática com devoção.  Da mesma forma, os asanas englobam Pranayama, já que trabalhamos com a respiração e Pratyahara, quando começamos a recolher nossos sentidos. Também Dharana (concentração), Dhyana (meditação) e talvez até mesmo Samadhi podem acontecer durante uma prática de asanas, se para tal estivermos preparados. O que isso nos diz sobre os oito Angas do Yoga? Que eles são aspetos de uma prática que é única e que permeia toda nossa vida, separada apenas para melhor entendimento intelectual. 

No Sutra 48 , é dito que se essa postura firme e confortável é alcançada, o praticante ficará livre das dualidades. Ou seja, frio e calor, seco e úmido, elogio ou crítica, não mais balançarão nosso equilíbrio. O corpo fica mais resistente as mudanças exteriores, menos vulnerável a doenças. Da mesma forma, nossa mente e emoções ficam mais estáveis, menos flutuantes. Estaremos no mundo e continuaremos a passar por altos e baixos, conquistas e perdas, mas isso, de repente, não nos abala mais tanto. Aprendendo a observar essa dualidade na prática de asana, compreendemos melhor nossos padrões e aprendemos a manter nosso centro perante as situações. Assim, passamos realmente a ser donos de nossas ações, realizadas com consciência e valores, não mais por mera reação automática ao que sucede. 
Mas se o Yoga se trata de chegar mais perto da nossa essência porque precisamos focar no corpo para transcendê-lo? Quando estamos doentes ou com uma dor forte isso parece tomar toda nossa atenção. Nos identificamos totalmente com algo que, na verdade, é passageiro. Algumas sensações físicas são tão intensas que nos absorvem por completo. Naquele momento, somos a dor, somos a dificuldade de respirar, somos a doença. Os asanas são primariamente terapêuticos. Se o corpo está livre de toxinas, cheio de energia vital, resistente e forte, deixamos de nos preocupar com ele, podemos finalmente sentar ou ficar em qualquer outra postura sem que isso nos incomode. Mas o processo de cura proporcionado pelos asanas não se resume ao corpo físico.  Quando o fortalecemos e limpamos, atuamos também no corpo causal e no corpo sutil, removendo os bloqueios que possam existir. É como se preparássemos terreno para que Dhyana e Dharana possam acontecer. 
Exatamente por os asanas trabalharem a nível físico, psicológico e energético é que são tão poderosos e transformadores. A descrição de Patanjali engloba todos esses níveis, já que fala de firmeza (criada pelo corpo), de conforto (sentido pela mente) e ser infinito interior (ou alma). Quando realizamos um asana, lidamos com a dualidade constantemente: entre corpo e mente, mente e alma, firmando nossas bases ao mesmo tempo em que criamos espaço, contraindo e expandindo, inspirando e exalando.  Assim, vamos observando, compreendendo e experienciando esses dois lados da mesma moeda, até que, finalmente, possamos ultrapassar essa separação. Sem a inquietação que surge quando precisamos nos identificar com uma das partes e que nos faz sofrer por nos sentirmos divididos, podemos enfim alcançar a plenitude na Unidade. Esse é talvez o verdadeiro tesouro escondido nos Asanas. 
Texto de Olga Rodrigues 
Imagens de Taeko, feitas nos workshops no Shala