Se nos tivessem dito antes de começarmos a praticar Yoga quanto isso iria mudar em nossas vidas, provavelmente não acreditaríamos. Nosso entusiasmo e motivação, o tempo dedicado, novas perspectivas e visões de nós mesmos que nunca antes tínhamos percebido, a forma como esta prática tocou todas as áreas da nossa vida, seja relacionamentos, trabalho ou família. Porque isso acontece? Provavelmente, porque ao nos enfrentarmos no tapetinho cada dia, nos tornamos mais presentes, mais sintonizados com nosso corpo e mente. Isso faz com que percebamos melhor como estes estão naquele determinado momento e como reagem as diferentes situações, buscando as que nos fazem sentir melhor. A alimentação não é exceção e é talvez uma das áreas mais perceptíveis de mudança, tanto para nós quanto para os outros. Talvez porque é algo que fazemos pelo menos três vezes por dia, cada dia, muitas vezes como algo social. Não só começamos a sentir mais claramente os efeitos de certas comidas, como deixamos de conseguir comer outras. Quanto mais nosso corpo e mente vão ficando livres de toxinas, sejam elas grosseiras ou sutis, menos somos atraídos pelos alimentos, situações e relações que nos intoxicam. Essa é uma transição natural e um processo que vai acompanhando o caminho do auto conhecimento.
Mas será que se pode dizer que existe uma alimentação realmente perfeita para praticantes de Yoga?
Se nossa prática é guiada por uma busca de paz interior, luz, equilíbrio e felicidade, seria lógico que nos nutríssemos com comidas que nos trazem essas qualidades. Ou seja, comidas repletas de Sattva, um dos três Gunas. Sattva, Rajas e Tamas são as energias que mais influenciam a mente. Predominam alternadamente e são aumentadas por diferentes fatores, sendo um deles a alimentação. Sattva é pura luz, é sutil e traz virtudes como benevolência, sabedoria, generosidade e honestidade. Quando prevalece, nossas ações têm como motivação a liberação espiritual, o auto conhecimento e o bem de todos os seres. É como se ao deixar a mente mais limpa e clara, houvesse finalmente espaço para que Buddhi, o intelecto se manifestasse, nos guiando para agirmos mais conscientemente, mais de acordo com o Dharma. O doce é o sabor sátvico por excelência, por ser nutritivo e calmante, mas a alimentação sátvica deve ter os seis sabores (doce, salgado, ácido, amargo, picante, adstringente) em quantidades moderadas.
Os alimentos que mais nos trazem equilíbrio e harmonia, e por isso são mais adequados a pratica de Yoga e meditação, são:
- Frutas frescas e de estação.
- A maioria dos vegetais, sobretudo quando frescos e cozidos.
- Grãos, sementes e nozes.
- Leite, queijos frescos e ghee orgânicos.
- Adoçantes naturais como mel e
- Óleos virgens como o de gergelim, coco e oliva.
- Especiarias, ervas doces e picantes suaves: gengibre, canela, cardamomo, cúrcuma, funcho, coentros e manjericão.
- Comida feita com amor e consciência
Por outro lado, devemos pensar em reduzir Rajas, a energia do movimento e mudança, que gera emoções contraditórias, como amor e ódio, aversão e apego. Quando impera sobre nossa mente somos movidos por desejos egoísticos, como a ganância, a ambição desmedida ou a competição. Cria instabilidade, agitação e impaciência. Os alimentos rajásicos são os estimulantes como café, chá e chocolate, mas também aqueles que contém o sabor picante, ácido e salgado muito forte, como alho, cebola, malaguetas, vinho, picles e vinagre, assim como a maioria dos feijões. Embora estes alimentos não sejam adequados para quem ter uma mente apta para meditação, devemos lembrar que não somos renunciantes, e por vezes precisamos do impulso dado por questões do ego, podendo usar com moderação estes alimentos. Também, podemos aumentar esta energia intensa e brusca para sair de Tamas, que é tão denso que não é sequer influenciada por Sattva.

Se queremos ter uma alimentação sátvica, precisamos também pensar nos princípios éticos que são o pilar que sustenta a prática de Yoga. Em primeiro lugar, talvez o mais importante, Ahimsa, não violência. Pensando que semelhante gera semelhante, como podemos querer que um alimento produzido através da morte e dor de um animal possa nos dar tranquilidade e paz? Ahimsa está implícito no conceito de alimentação sátvica pelo simples fato de que não há nada de pacifico, luminoso ou generoso em matar um animal para satisfazer nossa necessidade de nutrição ou prazer, quando há outras formas de a atender. Mas com o progresso da agricultura e indústria pecuária, se formos questionar nossa alimentação com base em Ahimsa, teremos que ir mais longe. Precisamos saber em que condições foram criados os animais que deram leite ou ovos, assim como que impacto teve na Natureza a cultura de determinados alimentos. Não causar dano é um principio que permeia tudo, não se limitando a algumas espécies ou seres vivos. Reflitamos se uma vida inteira passada em condições desumanas, enclausurado e sem nunca ter visto o sol, justifica nosso prazer de comer uma omelete ou um queijo. A mesma ponderação deve acontecer sobre o impacto que têm as monoculturas, o uso de agrotóxicos e transgênicos no planeta e obviamente, na própria humanidade. Por isso, sempre que possível, devemos preferir alimentos orgânicos. Isso é um verdadeiro ato de Ahimsa e amor pelo mundo em que vivemos.

O que nos leva a outra questão importante. Se queremos fazer escolhas conscientes quanto a nossa alimentação, precisamos observar nosso corpo, nossa mente, os alimentos que temos ao nosso dispor e o que está ao nosso redor. Por isso, para todos os yogis, vale a pena conhecer um pouco de Ayurveda, usando a auto-observação que cultivamos cada dia no tapetinho. Entre outras coisas, esta ciência enumera alguns atributos que estão presentes tanto em nós como nos alimentos e entorno: quente/frio, úmido/seco, leve/pesado, móvel/lento, suave/áspero, assim como pegajoso e penetrante. Essa classificação pode parecer reduzida, mas nos ajuda a entender que efeito determinada comida vai ter. Essa é afinal, a base de uma alimentação adequada, já cada um tem suas necessidades especificas e individuais que deve conhecer, mais do que seguir listas do que pode ou não comer. Se o dia está frio, úmido e pesado e comemos um sorvete, o que acontece? Essas qualidades aumentam em nós de tal forma que podem chegar a um desequilíbrio, produzindo muco. Ou num dia frio e seco, com muito vento, comemos uma alface tirada da geladeira. Como iremos sentir? Provavelmente mais leves e frios ainda. Se formos praticar no dia seguinte vamos sentir a secura extrema das articulações e a consequente dor. O mesmo se comermos algo muito picante num dia quente. Talvez a irritação posterior seja tanta que nem associemos uma coisa à outra.
Ou seja, precisamos ter em conta nossa constituição, nossas condições, o clima e até hora do dia. Tal como na nossa prática diária aprendemos a deixar de querer controlar o externo e a fluirmos com o movimento natural de nossos corpos, também na hora de comer podemos entrar na dança dinâmica de constante mudança que é a natureza, da qual obviamente fazemos parte.
O curioso é que nossa prática de Asanas e Pranayama não só se beneficia com uma alimentação mais adequada, mas também ajuda a consegui-la. Purificarmos diariamente nosso corpo físico e energético, estimulando a circulação sanguínea e linfática, absorvendo Energia Vital ao máximo em cada respiração, removendo bloqueios e limpando nadis, não só nos faz escolher melhor o que pomos no prato como nos faz aproveitar melhor o que comemos. O Udyana Bandha, por exemplo, com seu ênfase na região abdominal, estimula o Agni, o fogo digestivo. E o Mula Bandha, ao equilibrar a ação descendente do Apana Vayu, faz como um fechamento adequado para que o Prana trazido tanto pela respiração quanto pela comida não se esvaia e possa chegar a todos os lugares do corpo.

Yoga é mais do que um exercício físico, de respiração ou concentração, está presente em todas nossas ações, até as mais básicas, como comer. Vivemos a prática de Yoga também quando trazemos nossa atenção para o momento presente, refletindo sobre nossas escolhas, com intenções puras de transformar positivamente nossas vidas. Entendendo que nos alimentarmos é mais uma forma de entrar na dança do Universo, alinhando nossas necessidades com suas leis e valores, escolhendo sempre o caminho que mais gera paz e luz, tanto em nós como no mundo ao nosso redor.
Texto de Olga Rodrigues
Imagens de Kike Krueger e Marza Tozo