Para aqueles que, como eu, são ligados na tomada, adoram um dia cheio, mil atividades e estar em constante movimento, o savasana, conhecido como a “postura do cadáver”, pode vir a ser um grande desafio, muitas vezes, bem maior que o desafio dos próprios ásanas.
E sem entrar na discussão sobre se “savasana” é ou não um ásana,
“It is importante to take rest after the practice. Many mistakenly call this savasana, but this in incorrect. No asana is being done here; one is only resting from the asana practice. This is called sukhasana.” (É importante descansar após a prática. Muitos, erroneamente, chamam isto de savasana, mas é incorreto. Nenhum ásana está sendo executado aqui; apenas o descanso da prática de ásana. Isto é chamado sukhasana.) (livre tradução) (“Astanga Yoga Anusthana”, de R.Sharath Jois, página 83)
o fato é que ele traz consigo uma lista de benefícios, que vão desde relaxamento completo, redução do estresse, da pressão arterial, melhora da qualidade do sono, até a preparação da mente e do corpo para práticas meditativas, por exemplo.
A despeito de, não obstante, conquanto…, e de certo modo, envergonhada confesso que até hoje, apesar de meu tempo de prática, não consigo deitar em savasana ou sukhasana.
Normalmente, ao finalizar minha série, sinto-me inteiramente revigorada, cheia de energia e louca para sair pulando, sendo muito difícil aquietar o corpo nesta posição. O que tenho feito então é sentar, respirar por uns 10 minutos e, após isso, entoar mantras, e para mim, tem funcionado.
Mas, houve um período, ainda no meu primeiro ano de prática, em que eu fui capaz de silenciar a mente e o corpo em savana (sukhasana), e lembro que era bom.
Sigo na expectativa de quebrar padrões e, quem sabe, sentir as sensações que descrevi em 2012 neste pequeno texto, e que agora compartilho em primeira mão com vocês.
Quem vem comigo?
Morto-Vivo
Não sinto intensas as sinapses e nem o trabalho incansável de meus neurônios, mas ouço meus pensamentos, agora já não dominados por palavras; meus pensamentos estão polvilhados de sensações.
Tenho o corpo estendido no chão; meus braços acompanham sua linha, emoldurando-o; a palma de minhas mãos voltadas para cima, tem um leve formigamento; ombros e quadris, colados ao chão, parecem ter sido fixados; as pernas estão levemente entreabertas, formando um “v”; meus joelhos pendem lateralmente, fazendo com que meus pés se posicionem nesta mesma direção, externa.
Tudo me parece externo e longe. Só eu estou aqui, dentro de mim, eu e mais ninguém. Estranhamente não me sinto só. Sinto a plenitude de estar em minha companhia.
Nos instantes que precedem o vazio da mente, sinto o ar entrando lenta e fortemente em meus pulmões, que se expandem como dois balões, e com a mesma intensidade com que entrou, sai por minha boca entreaberta, que emite um suave som durante toda a exalação. Um suspiro, longo, audível, que me esvazia.
Um cadáver pode estar tão vivo … – Minha mente insiste em mais um pensamento, que logo é afastado pela sensação de bem-estar extrema que invade meu corpo inerte.
Agora só há espaço para o sensorial. Sinto o sangue correr com calma por minhas veias; por onde passa, vai pintando com sua cor carmim, tão viva, parece ter purpurina.
Ouço a respiração compassada e forte daqueles que estão no mesmo ambiente; a cadência de sua respiração me lembra o mar, não o mar tranquilo, mas um oceano revolto, ondas fortes, grandes que, quando quebram na areia branca, parecem rugir.
O mar bravio, tão vivo…
Eu, tão viva …
Um cadáver, tão vivo.
Tudo se aquietou. Não há movimento, nem vozes ou palavras, pensamentos, sensações, corpo ou respiração.
Silenciei.
Permaneço assim, em shavasana, a postura do cadáver, parte final de minha prática diária, por aproximadamente dez minutos.
Antes de abrir os olhos, apenas sinto. Meu corpo está ali, vivo, cheio de uma energia que percorre cada canto seu, e o arrepia.
Enrolo meu tapetinho.
Artigo por Carla Debiasi.
@carladebiasi