fbpx

Os Sabores segundo o Ayurveda

Os Sabores segundo o Ayurveda

Os Sabores segundo o Ayurveda 1600 1066 Kaka
Se alimentar é algo que vai muito além de satisfazer uma necessidade fisiológica. A forma como o fazemos influencia diretamente como nos sentimos, tanto a nível físico como mental. Por isso, á medida que vamos nos estabelecendo na prática do Yoga, vamos aos poucos modificando nossa alimentação. 
Cada vez que comemos, sabores, texturas, cores e temperaturas se combinam e interagem, resultando em experiências distintas. Uma refeição é como uma música de orquestra, em que cada alimento toca sua parte, expressa diferentes timbres, atinge variados tons. Os sabores são uma parte importante dessa composição e para o Ayurveda, a sua importância vai muito além de nos agradarem ou não.
Quando nos alimentamos fazemos uma troca energética com a Natureza e seus cincos elementos: Éter, Ar, Fogo, Água e Terra. O sabor que sentimos não é mais do que a forma como percebemos a proporção de cada um através do paladar. Naturalmente, se um elemento está em maior quantidade no que comemos, também aumentará em nós. 
O sabor doce, por exemplo, traz a energia da Terra e da Água. Não por acaso, as crianças, que precisam exatamente desses elementos para criar estrutura e crescer, são tão atraídos por ele, ou não fosse o sabor do leite materno. Ao comermos muito doce, aumentamos Terra e Água em nós. Por isso aumenta Kapha e nos faz ganhar peso. Também por essa razão, quando nos sentimos muito agitados, recorremos ao doce para nos dar essa sensação de conforto e aterramento. O problema é que num tipo de vida em que corremos e nos preocupamos demais, acabamos por ter uma necessidade excessiva do sabor doce, assim como do salgado. Compondo nossas refeições com base apenas nesses dois sabores, vamos anulando nossa sensibilidade gustativa, procurando que estes sejam cada vez mais fortes. 
4Entretanto, há uma diferença muito grande entre um doce de boa qualidade como o das frutas e o de má qualidade, como o do açúcar e farinhas refinadas. Quando optamos por estes últimos, os efeitos são naturalmente negativos, como apego e ciúmes. Ao mesmo tempo, nossa necessidade de aterramento não é devidamente satisfeita, pelo que tendemos a buscar saciá-la com mais doce, iniciando um ciclo vicioso em que nutrição é substituída por carência. 
Ou seja, cada um dos sabores tem seus efeitos positivos no corpo físico e mental, assim como negativos, quando consumido em excesso. Por isso, no Ayurveda se acredita que a refeição deve ser composta pelos cinco sabores: Doce, Salgado, Ácido, Amargo, Adstringente. Falemos um pouco mais de cada um:
  • Doce: Como dito antes, esse sabor é composto por Terra e Água, sendo frio, pesado e úmido. Aumenta Kapha e reduz Pitta e Vata. Nutre, aterra, dá longevidade e força, constrói tecidos e aumenta Ojas, o néctar que dá imunidade e resistência física e mental. É calmante, promovendo contentamento e conforto. Em excesso, causa obesidade, letargia, diminui a capacidade de digestão e abranda o metabolismo, além de causar doenças Kapha. O doce de boa qualidade está mais presente do que imaginamos, na maior parte das frutas, vegetais como a cenoura e beterraba, grãos e feijões,  adoçantes como açúcar mascavo, melado e mel. Esse é o tipo de doce que devemos incluir na nossa alimentação, tornando nosso paladar cada vez mais sensível às diferentes sutilezas dos sabores. Por aumentar naturalmente Sattva, o Guna que ajuda a tornar nossa mente mais clara e tranquila, este sabor apoia a prática do Yoga. Já o doce excessivamente forte, como o do açúcar e farinhas refinadas, dá uma sensação de energia rápida, mas que logo cai, criando uma adição. Também embota mente e corpo, aumentando Tamas, a energia da inércia e da escuridão.
  • Salgado: composto por Terra e Fogo, tende a agravar Kapha e Pitta, reduzindo Vata. É quente e úmido. Aterra e acalma. Estimula a digestão, realça o sabor dos alimentos, mantém equilíbrio eletrolítico, suaviza tecidos e é um laxativo suave. Quando digerido se transforma em doce, sendo essa mais uma razão para não reduzirmos nossa alimentação a esses dois sabores. Em excesso, causa retenção de líquidos, problemas de pele e rugas.  Agrava Pitta e obstrui os sentidos, gerando apatia e impaciência. Está presente sobretudo no sal, porém devemos evitar o refinado e preferir marinho grosso ou sal de rocha. Este também foi um dia sal marinho, mas ficou preso nas rochas quando o mar baixou e é mais equilibrado por esquentar menos. Outros alimentos com sabor salgado são as algas marinhas e a pasta de Missô.
  • Ácido: este é um sabor quente, úmido e leve, que aumenta sobretudo Pitta mas também Kapha, reduzindo Vata. Traz consigo Terra e Água. É forte e deve ser usado em pouca quantidade. Estimula o apetite, a digestão e a eliminação. Revigora, dá força e desperta a mente. Em excesso, aumenta a sede e agrava Pitta o que origina desequilíbrios naturais desse Dosha, como inflamações, hiperacidez, sensações de queimação e raiva. É encontrado em frutas cítricas, sobretudo o limão, vinagre e comidas fermentadas, como iogurte.
  • Picante: muito quente, é o sabor que mais aumenta Pitta. É composto por Fogo e Ar, agravando também Vata por sua qualidade seca. Ao esquentar e secar é o mais eficaz para reduzir Kapha. Fortalece o Agni, o fogo digestivo, aumentando o apetite e estimulando a digestão, limpa o muco, estimula a circulação, movimenta coágulos e trombos e dissolve obstruções.  Em excesso, diminui a força, aumenta sensações de ardor, queimação e sede. No geral, causa problemas de ordem Pitta, como inflamações. A nível mental pode causar agitação e irritabilidade.  Devemos preferir os picantes mais suaves como o da canela, cravo, noz moscada e gengibre. Picantes fortes como o da pimenta malagueta ou do alho, não só tendem a criar desequilíbrio como aumentam Rajas, o Guna caracterizado pelo movimento e mudança, que na mente cria ansiedade e egocentrismo.
  • Amargo: este é um sabor que normalmente não é muito usado, tido muitas vezes como desagradável. Porém, como todos, tem seus benefícios e deve ser usado com moderação, já que é muito intenso. Composto por Ar e Éter, é frio e seco e agrava naturalmente Vata, reduzindo Pitta e Kapha. Desintoxica, depura e reduz, sendo antibacteriano, baixando a febre e o ardor.  Limpa o paladar e os sentidos. Em excesso, seca demasiado, causando desnutrição dos tecidos, tirando força e originando condições de desequilíbrio de Vata, como constipação, secura excessiva e doenças degenerativas. Também pode levar a depressão e mágoa. É encontrado em folhas verdes como a couve e outros vegetais como alcachofras e jiló. 
  • Adstringente: talvez o sabor menos conhecido e usado, é o que dá a sensação de travar a língua. Isso porque é composto por Ar e Terra, sendo frio, seco e leve. Aumenta Vata, reduz Pitta e Kapha.  Dá firmeza, trata a diarreia, reduz secreções, absorve umidade. Em excesso desidrata, escurece a pele, causa retenção de outras eliminações como no caso de constipação, e outras doenças Vata como as de ordem neurológica. Bananas verdes e romãs são um exemplo de frutas com este sabor.

52

Ao inicio pode parecer um pouco abstrata a ligação entre o sabor, os elementos e seus efeitos. Porém, basta pensarmos: quem nunca sentiu o fogo subindo ao comer algo extremamente picante, o nariz desentupindo e os olhos lacrimejando? A secura extrema de uma banana verde? O conforto de um doce? Até a relação sabores-emoções é tão forte e presente nas nossas vidas que faz parte das nossas expressões. Dizemos que certas palavras ou atos são doces, que o preço é salgado, que o momento foi picante, que aquela pessoa amargou. 
 
E a verdade é que quanto mais, através de práticas como o Yoga, desenvolvemos nossa capacidade de auto-observação, mais aprendemos sobre a relação entre o que comemos e como nos sentimos. Seja percebendo que sabores nosso corpo parece pedir, qual deles melhor parece traduzir como estamos no momento, ou usando-os para reduzir algum desequilíbrio, saber mais sobre os sabores se torna uma ótima ferramenta de autoconhecimento. Assim, tanto no prato quanto na vida, ao trazermos atenção para o momento presente, vamos refinando nossa sensibilidade para as diversas tonalidades que antes passavam despercebidas, nos aventuramos a explorar sabores antes desconhecidos e tendemos cada vez mais a fazer escolhas que naturalmente nos apoiam na nossa busca por clareza e paz.
 
 
Texto de Olga Rodrigues
 Fotos de Karim Rojas