PRANAYAMA
Quando nascemos, nossa vida começa com uma inspiração. Deixamos a proteção quente do útero e, pela primeira vez, enchemos nossos pulmões de ar, nosso interior até então intocado, agora em contato direto com o mundo. É nossa primeira afirmação de independência, deixar de precisar do oxigênio materno. Quando deixamos este corpo, é também com uma exalação. Na tradição hindu, se acredita que não é o número de anos por vida que está predestinado, mas sim o número de respirações.
Isso nos leva ao quarto membro do Ashtanga Yoga: o Pranayama, que significa literalmente expansão da respiração. Assim, prolongando a respiração, prolongamos nossa vida.
Patanjali decorre sobre este Anga em cinco sutras:
2.49. TASMIN SATI SVASA PRASVASAYOH GATIVICCHEDAH PRANAYAMAH. Pranayama é o controle do fluxo respiratório, entrando e saindo junto com retenção. Só deve ser praticado depois de ser alcançada a perfeição no Asana.
2.50. BAHYA ABHYANTARA STAMBHA VRTTIH DESA KALA SAMKHYABHIH PARIDRASTAH DIRGHA SUKSHMA. Pranayama consta de três movimentos: inspiração, exalação e retenção prolongadas e suaves, todos eles regulados com precisão segundo duração e lugar.
2.51. BAHYA ABHYANTARA VISHAYA AKSEPI CARTUTHAH. O quarto tipo de Pranayama transcende os pranayamas internos e externos, surge fácil e indeliberado.
2.52. TATH KSIYATE PRAKASHA AVARANAM. Pranayama afasta o véu que cobre a luz do conhecimento e anuncia o principio da sabedoria.
2.53. DHARANASU CA YOGYATA MANASAH. A mente fica apta para a concentração.
Porém, Prana é uma palavra bem mais abrangente do que respiração. Prana é a energia vital, o Chi da Medicina Chinesa. Dá-nos entusiasmo, purifica e energiza o corpo, transitando pelos nadis (canais energéticos). Está presente nos alimentos, na água, mas sobretudo no ar e por isso, é importante controlar a respiração. Geralmente, são chamados de Pranayama os exercícios de respiração que servem exatamente para aprendermos a expandir inspiração, exalação e retenção, dessa forma aumentando e segurando mais Prana no nosso interior. Estes melhoram a circulação para os órgãos e ajudam a remover toxinas. Pela intima relação de Prana com Vata, o equilibram, trabalhando com o sistema nervoso e assim reduzindo depressão, estresse e tensão. Removem o muco causado por agravo de Kapha. Alguns Pranayamas com propriedades refrescantes ainda acalmam Pitta. Energeticamente, desbloqueiam os nadis e equilibram o fluxo entre Ida e Pingala, os dois canais pelos quais flui a energia solar (quente, masculina) e lunar (fria, feminina).
Mas Patanjali começa falando de Pranayama com a advertência sobre Asana, a postura. Não devemos subestimar Prana, já que este é essencialmente vibração e um corpo despreparado e muito bloqueado pode não tolerar toda essa energia. Por isso, estes exercícios de respiração devem ser aprendidos diretamente de um professor, que saberá quando o aluno está pronto. Se não conseguimos nem manter a coluna ereta durante mais do que uns minutos, como podemos querer que o Prana flua pelo Sushumna Nadi, o principal canal energético do corpo?
No Ashtanga Vinyasa Yoga, usamos a respiração Ujjayi, também conhecida como respiração vitoriosa. Profunda, produz um som característico por ação do Jalandhara Bhanda, na parte de trás da garganta. Esquenta o corpo, intensificando a circulação sanguínea, reduz Kapha e Vata, estimula o Agni e aumenta Prana na cabeça e no coração. Ao mesmo tempo, aprendemos a equilibrar Prana (ascendente) com Apana (descendente), criando um forte centro energético onde eles se encontram, na região abdominal, do Udyana Bandha. Os três Bandhas e o equilíbrio Prana-Apana, fazem com que o Prana inalado realmente consiga ser absorvido pelas nossas células, já que fica retido e não se esvai simplesmente. Trabalhando diariamente com esses três pontos e a respiração Ujjayi, construímos uma base sólida para aprendermos outros Pranayamas e ganharmos cada vez mais o controle da respiração.
Este sutra nos lembra ainda da importância de um corpo saudável para prosseguirmos no caminho do Yoga. Muitas vezes queremos queimar etapas, atingir Samadhi na primeira aula de Yoga, fazer Pranayama sem um corpo e mente fortes. É como querer decorar luxuosamente uma casa caindo aos pedaços. Não se trata aqui de corpos sarados, mas com Ojas, o fluido que sustenta Prana. Ojas é o néctar que melhora a imunidade, a resistência física e mental, a estabilidade emocional e a afetividade. Sem o suporte desse fluido vital, Prana pode até perturbar nosso sistema nervoso e mente. Ojas é basicamente aumentado por uma dieta sátvica, como frutas, amêndoas, mel, ghee e leite orgânico, assim como por atos de devoção ou Bhakti Yoga. Sua presença é visível quando a pessoa dificilmente fica doente, é naturalmente generosa e afetuosa, enfrentando a vida com contentamento.
No sutra 2.50, Patanjali diz que os três movimentos (inspiração, exalação e retenção, que seria a transição entre os outros dois) devem ser dirgha e suskhma, prolongados e suaves. Isso é algo que vai além dos exercícios a que chamamos Pranayama e que podemos aplicar tanto ao resto da nossa vida como na prática de Asanas. Porque mente e Prana têm a mesma natureza, sempre vão juntos. Se a nossa mente se agita, como numa situação de medo, a respiração automaticamente fica ofegante. Da mesma forma, se nos queremos acalmar, precisamos respirar mais profundamente. Ou seja, para conseguir citta vrtti nirodhah, uma mente sem flutuações, precisamos que a respiração seja suave e prolongada. Na prática de Asanas, por exemplo, quando queremos muito alcançar uma postura ou quando sentimos um desconforto forte, a nossa reação natural é travar a respiração, o que só causa mais dor e tensão. Conforme vamos conhecendo nosso padrão, que pensamentos, posturas ou movimentos o iniciam, mais facilmente podemos prever quando nossa respiração vai se agitar, focando antes em prolongar e suavizar a respiração. Dessa forma, nossas células recebem mais oxigênio, a mente fica mais clara e os nadis se enchem de Prana, facilitando a prática.
No sutra 2.51, Patanjali descreve um quarto tipo de movimento da respiração, que surge sem esforço e indeliberadamente. Este somente pode acontecer quando Apana e Prana estão realmente equilibrados e a respiração comum é naturalmente suspensa. Obviamente, chegar a esse estado requer muita preparação. No Japa, o mantra vai e vem e aos poucos nos damos conta que o silêncio não é o intervalo entre o som, mas algo que já lá está. Também este tipo de respiração sutil está continuamente presente, o que acontece é que somos distraídos pelos movimentos naturais da respiração e não a conseguimos sentir. Por isso, se diz que transcende os outros três. Quando finalmente acalmamos a variação da respiração, nosso Prana se une a um Prana cósmico e universal.
Nos seguintes sutras, é dito que Pranayama descobre o véu da ignorância e prepara a mente para Dharana, a concentração num ponto só. Precisamos conhecer as três flutuações da respiração e ser plenamente consciente delas, tal como acontece com as do corpo e a da mente, para depois podermos transcender-las. Só estabelecidos no Asana sthiram sukham (firme e confortável) e absorvendo plenamente o Prana através de uma respiração dirghah suskhma (suave e prolongada), a mente se pode finalmente acalmar e a verdadeira meditação acontecer. Aí se retira o véu da ignorância, aquela que nos faz crer que somos seres separados de um Todo. As dualidades do corpo são ultrapassadas e não nos incomodam mais, o Prana interior se dissolve no Prana cósmico e a mente cessa seus altos e baixos, espelhando o Absoluto.
Mas voltemos à ideia de que nascemos com uma inspiração e morremos com uma exalação, tendo um numero de respirações certas entre esses dois momentos. Como aproveitamos essa dávida é um reflexo de como vivemos. Respiramos conscientemente? Ou escolhemos desperdiçar Prana em sentimentos como a raiva, que nos fazem perder o controle? Para onde levamos nossa mente, o que alimentamos com nossa força vital? Mais do que uma preocupação com se vamos atingir Samadhi ou não, o que uma prática de Yoga nos dá é uma oportunidade de vivermos mais plenamente, de atingirmos e desfrutarmos de todo nosso potencial. O Pranayama nos dá a capacidade de dirigir nossa energia, de expandir nossa vida e entusiasmo através do simples ato de respirar. Retirado o véu da ignorância, podemos por fim absorver a luz da sabedoria.
Texto de Olga Rodrigues
Fotos de Taeko
Modelos Maitê e Koa