Em outubro e novembro deste ano, enquanto vivia uma temporada em Mysore, Índia, tive o prazer de compartilhar e fortalecer a amizade com Lu Andrade, que além de ser muito especial é uma grande fonte de inspiração para todos nós como praticantes de Yoga. Lu é brasileira, atualmente vive e ensina em Frankfurt a maior parte do ano e também viaja a diversos lugares para retiros, workshops e intensivos.É uma das poucas mulheres certificadas do mundo e a única de toda a América Latina. Ao longo do tempo que estávamos juntas, Lu cedeu uma entrevista para o blog Ashtanga Yoga Floripa. Espero que suas palavras possam inspirar a todos vocês.
Ana Claudia
Como e quando começou seu caminho no Yoga? Como chegou ao Ashtanga?
Lu: Tudo começou quando era pequena e tinha o sonho de ser bailarina. Foi essa vontade que me levou a prestar vestibular para um curso que na época ainda não era reconhecido, mas que abrangia tudo o que me interessava, as artes do corpo. Apesar de já praticar um pouco de yoga, só fui conhecer o Ashtanga em princípios de 2000 na faculdade. Antes de realmente decidir minha prática diária, passei por Iyengar yoga e testei alguns outros métodos, nenhum foi capaz de me manter tão interessada por tanto tempo.
Ao longo de todos esses anos, que transformações e mudanças foram mais evidentes e mais importantes?
Lu: A paz mental, a paciência e a vontade de ser um ser humano melhor a cada dia. Claro que com uma prática vigorosa o corpo muda, mas as mudanças mais significativas para mim foram as emocionais e mentais. Me sinto mais inteira, mais completa e mais em paz com a prática de asanas. Com o tempo passei também a trabalhar mais o lado espiritual e a vida ganhou novas dimensões. Minha prática é minha oração!
Que lição ou lições aprendidas com a prática você considera como mais valiosas?
Lu: Aceitação. Aceitar a si, aos demais e aceitar como as coisas se passam sem a urgência de mudar tudo. Aceitar os pensamentos, sentimentos e limites. Enfim, nos aceitar por completo. Isso é um trabalho para várias vidas, mas a cada dia a prática me aponta diferentes situações onde, antes de qualquer coisa, é preciso aceitar, confiar e depois entregar-se… e assim, a mágica acontece.
O que você diria para alguém que está iniciando sobre o método?
Lu: Que desfrute de cada momento dentro dessa jornada. O importante na vida é encontrar prazer naquilo que fazemos, não adianta praticar, ser vegetariano e meditar porque alguém disse que faz bem. É importante observar nossos padrões e fazer de nossos dias um laboratório, ser um pesquisador de si mesmo, observar quando estamos bem, quando temos pensamentos positivos, quando temos mais disposição para a prática e observar o oposto também, daí fica fácil optar por aquilo que nos traz bem estar, pois a mudança é de dentro para fora. O caminho é longo mas, é divertido, basta desfrutar de cada passo, ter a curiosidade de aprender e deixar que cada coisa venha ao seu tempo. O mais importante é estender o tapetinho diariamente e ter paciência, a prática é a nossa melhor guia nessa jornada de auto conhecimento.
Que conselho daria para quem está passando um momento em que é difícil praticar, seja por dores, cansaço, falta de tempo ou outras questões?
Lu: Que comece devagar. Se não tem uma hora agora, que seja quinze minutos diários de saudação ao sol e as três posturas finais, que tenha paciência para que aos poucos o espaço reservado para a prática seja novamente aberto. Que pratique hoje o possível, pois é a prática de hoje que ajuda a de amanha, quanto mais prorrogamos mais difícil de entrar no ritmo de novo. Pratique hoje o possível, cinco minutos de respiração, amanha uma saudação ao sol, depois um pouco mais e assim pouco a pouco construindo uma prática possível de se manter a longo prazo. Não adianta praticar um dia da semana por três horas, melhor um pouco todos os dias, assim não há pressão, assim a prática vira parte da rotina. Com as dores, é importante procurar um professor qualificado e trabalhar com ele passo a passo. Podemos usar a prática de yoga para nos curar físico, emocional e espiritualmente, ou, sem uma correta orientação, pode nos causar lesões e cansaço. Por isso é importante buscar um professor qualificado.Sharath sempre nos diz que uma faca pode servir para cortar frutas ou até para matar alguém, a faca é um instrumento, assim como a prática de asanas, dependendo de como a usamos obteremos diferentes resultados.
O que as palavras disciplina e dedicação significam para você, enquanto praticante de Yoga?
Lu: Disciplina é a nossa capacidade de escolher por aquilo que seja melhor a longo prazo, mesmo que agora não seja. Como por exemplo, levantar da cama bem cedo, com frio lá fora, para praticar. Esse ato demanda disciplina interna, sem ela haveria dias que não sairíamos da cama.Dedicação é realizar algo com amor. Não apenas levantar cedo mas, levantar feliz, encontrar o que nos move, que nos comove, que nos faz ser curiosos… e assim ser disciplinado é mais fácil.Para a prática de yoga, devoção, dedicação e determinação são muito importantes, com esses três a disciplina vem sem esforço maior. O amor por aquilo que fazemos se faz essencial para a evolução deste.
Atualmente você é uma das poucas mulheres certificadas no mundo e a única de toda América latina, O que isso mudou na sua trajetória?
Lu: Há um encantamento natural do ser humano com títulos, o qual só nos garante a energia despendida para chegar até ele. Eu gostaria que trouxesse a iluminação (risos)… mas, trouxe mais responsabilidades e comprometimento. Senti como se houvesse “casado” com o yoga em todos os sentidos, minha vida é ainda mais voltada a aprender sobre essa ciência, aplicá-la no meu dia a dia e evoluir como ser humano.
Nelson Mandela uma vez disse: “After climbing a great hill, one finds that are many more hills to climb. I have taken a moment here to rest, to steal a view of the glorious vista that surrounds me, to look back on the distance I have come. But I can only rest for a moment, for with freedom comes responsibilities, and I dare not to linger, for my long walk has not yet ended.” *A certificação é uma montanha alta, mas existem outras muito maiores. Portanto, agradeço haver chegado até aqui, tomo conhecimento das responsabilidades que isso traz e sigo meu caminhar com mais dedicação e espero, mais humildade.
O que você pensa sobre a popularização do método nos últimos anos?
Lu: É algo que o professor Krishnamacharya pediu como retorno por aquilo que havia ensinado. Que a mensagem do yoga se espalhasse e que todos os seres pudessem receber os benefícios dessa prática. A cada ano fica mais difícil estudar em Mysore, a cada ano mais pessoas estão praticando. O que é muito bom, pessoas no caminho da transformação pessoal, mais seres humanos conscientes no mundo. Não importa a intenção que nos leva até o yoga, com uma prática sincera e dedicada nos transformamos profundamente.
Qual é sua relação com Sharath Jois e quão importante a presença dele é na sua jornada como praticante?
Lu: Sharath Jois é meu professor, uma pessoa de extrema importância para o meu sadhana, é seu esforço e dedicação que me inspiram a seguir esse caminho diariamente. Quem me traz conhecimento, me desafia, me traz consciência, me faz questionar, me faz ter vontade de ser uma pessoa melhor… É meu guru, aquele que trouxe a luz do conhecimento e me libertou da escuridão da ignorância, por quem sou eternamente grata.
Muito obrigada pela disponibilidade, palavras e amor e dedicação à prática.
Espero vê-la em breve!!