Vande Gurunam charanaravinde
Sandarshita svatmasukhavabodhe
[Eu me curvo aos pés de lótus do Guru
Que me desperta para a felicidade da revelação do Ser]
Sri Krishna Pattabhi Jois, ou Guruji, como era afetuosamente chamado pelos seus alunos, nasceu num dia de lua cheia, a 26 de julho de 1915, na pequena cidade de Kowshika. Seu pai era sacerdote, astrólogo e dono de terras, sua mãe cuidava da casa e da família com nove crianças. Como todos os meninos da linhagem Brahmin, foi iniciado pelo pai ao estudo dos Vedas, sânscrito e rituais com cinco anos.
Em 1927, assistiu pela primeira vez a uma demonstração de Yoga, por T.S. Krishnamacharya, que o impressionou. Na Gita, Krishna diz que aquele que chega ao Yoga nessa vida já o praticou numa vida anterior, sendo atraído mesmo contra sua vontade. Assim aconteceu com Pattabhi Jois, que com apenas 12 anos, acordou no dia seguinte e se dirigiu a casa do yogi, pedindo para ser instruído por ele. Durante dois anos, acordou mais cedo cada manhã, caminhando por kilometros para praticar antes de ir a escola. Tudo isso sem que sua família soubesse, principalmente porque o Yoga era visto como uma prática esotérica para sadhus ou sannyasins (renunciantes).
Depois da sua cerimônia iniciática como Brahmin, pegou o trem para Mysore. Com 14 anos e duas rupias no bolso, dirigiu-se a Faculdade de Sânscrito para estudar Vedas e Vedanta. Três anos depois escreveu para seu pai, contando seu paradeiro. Mais tarde, se tornou um professor de Advaita Vedanta, cargo que só deixou em 1973 para se dedicar totalmente ao seu shala.
O seu caminho voltou a se cruzar com o de Krishnamacharya, em 1931, quando assistiu a uma demonstração de Yoga na Faculdade de Sânscrito. Feliz de reencontrar seu guru, se curvou aos seus pés e assim se retomou a relação professor-aluno, que duraria 25 anos.
Nessa mesma época, o Maharaja de Mysore mandou chamar Krishnamacharya para o que o curasse, já que nenhum outro médico tinha conseguido. Através de Yoga, alimentação e ervas medicinais, Krishnamacharya conseguiu que o Marahaja recuperasse sua saúde. Como agradecimento, esse construiu um shala no próprio palácio e patrocinou diversas viagens de Krishnamacharya e seus alunos (entre eles Pattabhi Jois) por toda a Índia, para divulgar e estudar mais sobre Yoga.
O Maharaja lhe pediu que ensinasse Yoga na Faculdade de Sânscrito, onde começou em março de 1937. Pattabhi Jois contava que seu certificado de professor foi dado por Krishnamacharya quando este lhe entregou um homem doente, dizendo: “Cure-o”.
Por essa altura, uma menina de 14 anos foi sua aluna: Savitramma, que depois de ver Pattabhi Jois praticando disse ao pai que queria aquele homem como marido. O astrólogo contratado pela família informou que os dois não eram compatíveis, mas Amma era determinada e acabaram por se casar. Em Mysore criaram três filhos: Manju, Saraswathi e Ramesh. Amma, amada por todos os alunos de Guruji por seu espírito alegre e caloroso, foi também uma ótima aluna de sânscrito e Yoga, tendo chegado a fazer asanas avançados.
Ramesh faleceu em 1973, mas tanto Manju como Saraswathi se tornaram professores de Yoga, assim como os filhos de Saraswathi: Sharath e Sharmila. Amma veio a falecer em 1997, o que abalou profundamente Guruji.
Em 1948, Pattabhi Jois fundou na sua própria casa o Ashtanga Yoga Research Institute (Instituto de Pesquisa de Ashtanga Yoga), onde pretendia experimentar os métodos terapêuticos ensinados por Krishnamacharya. Nesse primeiro Shala, havia espaço para somente 12 alunos, na época indianos que chegavam muitas vezes por indicação médica, com doenças como diabetes, asma ou hanseníase.
Cerca de 1960 veio o primeiro ocidental, Andre Van Lysbeth, um belga, que permaneceu por dois meses aprendendo os asanas da primeira e segunda série. Voltando a Europa, escreveu um livro intitulado Pranayama, onde figurava uma fotografia com Pattabhi Jois.
Em 1973, David Williams, Nancy Gilgoff e Norman Allen chegaram para estudar com Guruji, depois de terem ficado deslumbrados com uma demonstração de Manju Jois, no ashram de Swami Gitananda, em Pondicherry.
A primeira viagem de Pattabhi Jois ao Ocidente foi a São Paulo, em 1974, para dar uma palestra sobre sânscrito. Em 1975, foi pela primeira vez aos Estados Unidos, levado por um grupo de alunos de David Williams e Nancy Gilgoff. Durante os 30 anos seguintes, realizou várias dessas viagens, difundindo o Yoga no Ocidente. Seu inglês era muito limitado, mas na sua língua materna, o Kannada, discursava sobre filosofia védica e recitava textos em sânscrito como os Yoga Sutras com prazer. Ao mesmo tempo, sorria ao observar a busca espiritual insaciável dos seus alunos ocidentais, respondendo muitas vezes com sua conhecida frase “Yoga é 99% prática e 1% teoria”.
Como principal texto sobre Ashtanga Yoga, escreveu o livro Yoga Mala, em 1962. O seu legado, porém é bem mais abrangente que isso: foi construído dia a dia, nos setenta anos que ensinou, ajustou e trabalhou com cada um de seus alunos, sempre com uma enorme dedicação e fé no método aprendido de Krishnamacharya. Com 70 anos, dava mais de 8 horas de aula por dia, sete dias por semana, um autêntico exemplo de energia e vigor.
Com os anos, mais e mais ocidentais foram chegando, aumentando tanto o número de alunos por dia que a família construiu um Shala maior, em Gokulam, um bairro de Mysore, em 2002.
Em 2007, Guruji ficou doente e começou a dar menos aulas, se aposentando no ano seguinte e deixando o Shala nas mãos de Saraswathi e Sharath.
No dia 18 de maio de 2009, com 93 anos, Guruji faleceu, na sua casa em Mysore, deixando um vazio gigante na comunidade mundial de Yoga. Aqueles que o conheceram definem-no como um homem sábio e simples, tão rígido quanto amoroso, com um grande amor pela família, uma enorme paixão por ensinar e eterno respeito pelo paramparam. Hoje e para sempre, seus ensinamentos continuarão a inspirar centenas de pessoas a transformar suas vidas.
Resta-nos agradecer termos sido tocados pela sua energia, direta ou indiretamente. A sua memória é mantida cada vez que um de nós sobe no tapetinho, apesar de qualquer coisa, se entrega e respira, suas palavras ressoando dentro de nós: “Do your practice and all is coming” (“Faça a sua prática e tudo chegará”).
Fonte:
Sri K. Pattabhi Jois. Yoga Mala. 4th Edition. North Point Press: New York, 2010.
Guy Donahue, Eddie Stern. Guruji: a portrait of Sr. K. Pattabhi Jois through the eyes of his students. 1st Edition. North Point Press: New York, 2010.
Texto: Olga Rodrigues
Foto: Taeko